quarta-feira, 17 de abril de 2013

A aprovação do Estatuto da Juventude e o importante debate sobre a violência entre os jovens


Pedro Aguerre*
Iniciamos o comentário de hoje noticiando uma grande conquista. O Senado aprovou nesta terça-feira (16 de abril) o texto-base do Estatuto da Juventude. Após nove anos de tramitação, representa uma vitória histórica para os movimentos juvenis, que na última década lutaram pela construção deste marco legal, estabelecendo direitos para jovens entre 15 e 29 anos. O estatuto ainda será novamente apreciado pela Câmara dos Deputados, onde havia sido aprovado em 2011, uma vez que teve alguns dispositivos alterados pelos senadores.
O projeto prevê a garantia de direitos básicos aos jovens, como acesso à educação e à profissionalização, ao trabalho e à renda e torna obrigatória a manutenção pelo Estado de programas de expansão do ensino superior, com oferta de bolsas de estudos em instituições privadas e financiamento estudantil. Também define o pagamento de meia-entrada em eventos culturais e esportivos de todo o país para os jovens de famílias com renda mensal de até dois salários mínimos, pertencentes a famílias do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
A secretária Nacional de Juventude Severine Macedo destacou que o Estatuto da Juventude é um reconhecimento oficial do jovem como sujeito de direitos, pois institui uma política permanente para os mais de 50 milhões de jovens em todo o Brasil, garantindo em lei direitos essenciais e específicos. De acordo com ela, o Estatuto contemplará jovens entre 15 e 29 anos, sem qualquer prejuízo à Lei 8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente –, que atende à faixa de zero aos 18 anos incompletos: enquanto o ECA tem foco na proteção, o estatuto da juventude visa à autonomia e à emancipação dos jovens, por meio de políticas de emprego, de inserção no mercado de trabalho e de inclusão social.
Esta notícia é um passo significativo na construção de melhores condições para a cidadania dos jovens no Brasil, que tem uma realidade cotidiana caracterizada por profundas violações de direitos. Em artigo recente (16 de abril) a assessora do Inesc, Cleomar Manhas, apresenta dois dados reveladores desta situação.
No primeiro caso, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011, revelam que a quantidade de adolescentes no País de 15 a 17 anos longe dos bancos escolares aumentou, de 2009 a 2011, passando de 14,8 para 16,3%. Ou seja, 1,7 dos 10,5 milhões de jovens nessa faixa etária, o que mostra o grande desafio de reter os alunos ao término do fundamental e dar-lhes condições de ingressar – e de preferência concluir – o ensino médio.
O segundo aspecto trata da violência letal dos homicídios. Segundo o Mapa da violência de crianças e adolescentes de 2012, coordenado pelo Professor Júlio Waiselfisz, o Brasil ocupa o 4º lugar em um conjunto de 99 países, com maiores índices de homicídios nesta faixa etária, com crescimento de 346% entre 1980 e 2010, sendo os adolescentes entre 14 e 18 anos as maiores vítimas.
Dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, dos 53 mil mortos por agressão no Brasil, em 2010, foram assassinados 7.750 jovens entre 15 e 19 anos no Brasil, 610 só no Estado de São Paulo. Ou seja, o jovem é vítima recorrente da violência letal, especialmente a juventude das periferias urbanas, e mais especificamente a juventude masculina negra e pobre. Do total de vítimas de homicídio, aliás, dois terços, ou mais de 35 mil são negros!!
No artigo intitulado “Quando a exceção quer ser regra”, Pedro Rafael traz algumas informações importantes sobre a questão do jovem infrator: os 30 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas correspondem a 0,5% da população adolescente do país, estimada em 21 milhões de pessoas. Desses, o percentual de adolescentes envolvidos em homicídios é de 1,4%.
Dados publicados pela imprensa mostram um quadro de crescimento de internações de adolescentes na Fundação Casa, que teria hoje 8,7 mil vagas, com situações de superlotação dependendo da unidade. O principal motivo não são os crimes que terminam em morte, mas sim as internações por tráfico de drogas, que representam 41,8% do total. O latrocínio, ou roubo seguido de morte, crime gravíssimo, corresponde a menos de um por cento do total (0,9%). Segundo a presidente da fundação, Berenice Giannella, “há um excesso de condenação, mesmo com jurisprudência de que a internação por tráfico só deve ser feita em caso de reincidência, descumprimento de medida socioeducativa ou emprego de violência”, afirmou. Esta realidade corresponde, em grande parte, segundo Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a que “existe a postura no Judiciário de que, quanto mais vaga houver, mais eles vão encaminhar menores”, mesmo com delitos e infrações de menor potencial ofensivo.
Por fim, impossível não comentar a trágica circunstância do latrocínio que vitimou o jovem Victor Hugo Deppman, de 19 anos. Sua morte, por arma de fogo, causada por um jovem que dali a uma semana completaria 18 anos, trouxe um amplo e intenso debate na sociedade brasileira, partindo da idéia da idéia de que haveria excessiva impunidade para adolescentes infratores. E, a partir daí, difundiu-se velozmente a idéia, a partir do discurso de especialistas e autoridades e da cobertura massiva, de que a solução passava pela redução da maioridade penal. Entende-se a comoção e indignação que pode causar um homicídio de um jovem à porta de sua casa, sendo a cena filmada e exibida incansavelmente, expondo a banalização da vida. Contudo, a forma como a discussão é conduzida pela mídia extrapola a notícia e passa a influenciar  a população, ampliando a sensação de insegurança que já é alta, mas associando-a de forma apressada à figura das crianças e adolescentes, Posteriormente o debate público nas redes sociais, fora dos circuitos da grande mídia, também trouxe dezenas de argumentos extremamente válidos do equívoco da redução da maioridade penal, não só por sua inconstitucionalidade e por afrontar tratados internacionais de que o país é signatário, mas perante a experiência internacional, pois, de acordo com a Unicef,  “de 53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%)  adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais”. Túlio Kahn, citado em artigo de Vinícius Bocato com o título “Razões para não reduzir a maioridade penal”, afirma que “dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens”.
Outras medidas propostas sugerem a modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o  aumento das penas aos jovens, amparando-se, para isso, nos parâmetros da criticada lei nº 8.072 (Lei de Crimes Hediondos), promulgada em 1990, que, em momento de grande comoção motivada por crimes de grande repercussão, aumentou as penas para alguns delitos graves e alterou as condições de encarceramento, reforçando o regime fechado para crimes menos graves. No entanto, ao invés de diminuir os crimes, teria aumentado enormemente o encarceramento e a proliferação de prisões. Paradoxalmente, a maioria dos novos presos e jovens aprendidos não cometeu crimes gravíssimos, pois o sistema de segurança pública tem uma taxa baixíssima de resolução e prisão de homicidas. É claro que há muito a melhorar na aplicação do estatuto da Criança e do Adolescente tanto quanto em toda a estrutura da segurança pública. No entanto, sob a emoção de um evento de grande repercussão, continua a se estimular o chamado popularismo penal, aproveitando-se do sentimento de comoção das pessoas para propor soluções fáceis e aparentemente radicais, mas que passam longe do enfrentamento da situação. Assim, perde-se a oportunidade de aprofundar a análise das causas e do tamanho real do problema, ao passo em que os responsáveis pelas instituições evitam uma discussão mais ampla e democrática, visando corrigir distorções e aprimorar as instituições existentes.
Por fim, transcrevemos o manifesto da Fundação Abrinq, que gerou um abaixo assinado que pode ser encontrado e divulgado pelas redes sociais:
“A Fundação Abrinq - Save the Children manifesta-se contrariamente à intenção divulgada pelo Governo do Estado de São Paulo em relação  ao encaminhamento, ao Congresso Nacional, de proposta de projeto de lei que prevê a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente no que diz respeito à aplicação de medidas socioeducativas.
Entendemos que a violência vivenciada no estado de São Paulo, deve ser enfrentada a partir de análise ampla do cenário da violência que perpassa pela garantia das políticas sociais básicas de um lado, e de outro, de políticas efetivas de segurança, investindo-se na inteligência da polícia, na qualificação de seus efetivos, de política salarial adequada, de combate à compra e distribuição de armas ilegais e da corrupção que acomete instituições e contingentes da área de segurança.
 A violência só será reduzida quando, em vez de penalizar individualmente os adolescentes em situação de vulnerabilidade, comumente cooptados pela criminalidade, que desde seu nascimento são privados pela ausência de acesso à saúde, educação e proteção, sejam contemplados com políticas públicas efetivas e integradas que garantam direitos e justiça social para todos.”

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Pedro Aguerre Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 17/04/2013.

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