Pedro Aguerre*
Iniciamos
o comentário de hoje noticiando uma grande conquista. O Senado aprovou nesta
terça-feira (16 de abril) o texto-base do Estatuto da Juventude. Após nove anos
de tramitação, representa uma vitória histórica para os movimentos juvenis, que
na última década lutaram pela construção deste marco legal, estabelecendo
direitos para jovens entre 15 e 29 anos. O estatuto ainda será novamente apreciado
pela Câmara dos Deputados, onde havia sido aprovado em 2011, uma vez que teve
alguns dispositivos alterados pelos senadores.
O
projeto prevê a garantia de direitos básicos aos jovens, como acesso à educação
e à profissionalização, ao trabalho e à renda e torna obrigatória a manutenção
pelo Estado de programas de expansão do ensino superior, com oferta de bolsas de
estudos em instituições privadas e financiamento estudantil. Também define o
pagamento de meia-entrada em eventos culturais e esportivos de todo o país para
os jovens de famílias com renda mensal de até dois salários mínimos,
pertencentes a famílias do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal (CadÚnico).
A
secretária Nacional de Juventude Severine Macedo destacou que o Estatuto da
Juventude é um reconhecimento oficial do jovem como sujeito de direitos, pois institui
uma política permanente para os mais de 50 milhões de jovens em todo o Brasil,
garantindo em lei direitos essenciais e específicos. De acordo com ela, o
Estatuto contemplará jovens entre 15 e 29 anos, sem qualquer prejuízo à Lei
8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente –, que atende à faixa de zero
aos 18 anos incompletos: enquanto o ECA tem foco na proteção, o estatuto da
juventude visa à autonomia e à emancipação dos jovens, por meio de políticas de
emprego, de inserção no mercado de trabalho e de inclusão social.
Esta
notícia é um passo significativo na construção de melhores condições para a
cidadania dos jovens no Brasil, que tem uma realidade cotidiana caracterizada
por profundas violações de direitos. Em artigo recente (16 de abril) a
assessora do Inesc, Cleomar Manhas, apresenta dois dados reveladores desta
situação.
No
primeiro caso, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
de 2011, revelam que a quantidade de adolescentes no País de 15 a 17
anos longe dos bancos escolares aumentou, de 2009 a 2011, passando de 14,8 para
16,3%. Ou seja, 1,7 dos 10,5 milhões de jovens nessa faixa etária, o que mostra
o grande desafio de reter os alunos ao término do fundamental e dar-lhes
condições de ingressar – e de preferência concluir – o ensino médio.
O
segundo aspecto trata da violência letal dos homicídios. Segundo o Mapa da
violência de crianças e adolescentes de 2012, coordenado pelo Professor Júlio
Waiselfisz, o Brasil ocupa o 4º lugar em um conjunto de 99 países, com maiores
índices de homicídios nesta faixa etária, com crescimento de 346% entre 1980 e
2010, sendo os adolescentes entre 14 e 18 anos as maiores vítimas.
Dados
do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, dos 53 mil
mortos por agressão no Brasil, em 2010, foram assassinados 7.750 jovens entre
15 e 19 anos no Brasil, 610 só no Estado de São Paulo. Ou seja, o jovem é
vítima recorrente da violência letal, especialmente a juventude das periferias
urbanas, e mais especificamente a juventude masculina negra e pobre. Do total
de vítimas de homicídio, aliás, dois terços, ou mais de 35 mil são negros!!
No
artigo intitulado “Quando a exceção quer ser regra”, Pedro Rafael traz algumas
informações importantes sobre a questão do jovem infrator: os 30 mil jovens que
cumprem medidas socioeducativas correspondem a 0,5% da população adolescente do
país, estimada em 21 milhões de pessoas. Desses, o percentual de adolescentes
envolvidos em homicídios é de 1,4%.
Dados
publicados pela imprensa mostram um quadro de crescimento de internações de
adolescentes na Fundação Casa, que teria hoje 8,7 mil vagas, com situações de
superlotação dependendo da unidade. O principal motivo não são os crimes que
terminam em morte, mas sim as internações por tráfico de drogas, que
representam 41,8% do total. O latrocínio, ou roubo seguido de morte, crime
gravíssimo, corresponde a menos de um por cento do total (0,9%). Segundo a
presidente da fundação, Berenice Giannella, “há um excesso de condenação, mesmo
com jurisprudência de que a internação por tráfico só deve ser feita em caso de
reincidência, descumprimento de medida socioeducativa ou emprego de violência”,
afirmou. Esta realidade corresponde, em grande parte, segundo Ariel de Castro
Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a que “existe a postura no Judiciário de
que, quanto mais vaga houver, mais eles vão encaminhar menores”, mesmo com
delitos e infrações de menor potencial ofensivo.
Por
fim, impossível não comentar a trágica circunstância do latrocínio que vitimou
o jovem Victor Hugo Deppman, de 19 anos. Sua morte, por arma de fogo, causada
por um jovem que dali a uma semana completaria 18 anos, trouxe um amplo e
intenso debate na sociedade brasileira, partindo da idéia da idéia de que
haveria excessiva impunidade para adolescentes infratores. E, a partir daí,
difundiu-se velozmente a idéia, a partir do discurso de especialistas e
autoridades e da cobertura massiva, de que a solução passava pela redução da
maioridade penal. Entende-se a comoção e indignação que pode causar um
homicídio de um jovem à porta de sua casa, sendo a cena filmada e exibida
incansavelmente, expondo a banalização da vida. Contudo, a forma como a
discussão é conduzida pela mídia extrapola a notícia e passa a influenciar a população, ampliando a sensação de
insegurança que já é alta, mas associando-a de forma apressada à figura das
crianças e adolescentes, Posteriormente o debate público nas redes sociais,
fora dos circuitos da grande mídia, também trouxe dezenas de argumentos
extremamente válidos do equívoco da redução da maioridade penal, não só por sua
inconstitucionalidade e por afrontar tratados internacionais de que o país é
signatário, mas perante a experiência internacional, pois, de acordo com a
Unicef, “de 53 países, sem contar o
Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam
a maioridade penal aos 18 anos ou mais”. Túlio Kahn, citado em artigo de
Vinícius Bocato com o título “Razões para não reduzir a maioridade penal”,
afirma que “dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime
Trends (Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o
adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por
países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens”.
Outras
medidas propostas sugerem a modificação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, e o aumento das penas aos
jovens, amparando-se, para isso, nos parâmetros da criticada lei nº 8.072 (Lei
de Crimes Hediondos), promulgada em 1990, que, em momento de grande comoção motivada por crimes de grande repercussão, aumentou as penas para alguns delitos
graves e alterou as condições de encarceramento, reforçando o regime fechado
para crimes menos graves. No entanto, ao invés de diminuir os crimes, teria aumentado
enormemente o encarceramento e a proliferação de prisões. Paradoxalmente, a
maioria dos novos presos e jovens aprendidos não cometeu crimes gravíssimos,
pois o sistema de segurança pública tem uma taxa baixíssima de resolução e
prisão de homicidas. É claro que há muito a melhorar na aplicação do estatuto
da Criança e do Adolescente tanto quanto em toda a estrutura da segurança
pública. No entanto, sob a emoção de um evento de grande repercussão, continua
a se estimular o chamado popularismo penal, aproveitando-se do sentimento de comoção das pessoas para propor soluções fáceis e aparentemente radicais, mas
que passam longe do enfrentamento da situação. Assim, perde-se a oportunidade
de aprofundar a análise das causas e do tamanho real do problema, ao passo em
que os responsáveis pelas instituições evitam uma discussão mais ampla e
democrática, visando corrigir distorções e aprimorar as instituições
existentes.
Por fim, transcrevemos o manifesto da Fundação Abrinq,
que gerou um abaixo assinado que pode ser encontrado e divulgado pelas redes
sociais:
“A
Fundação Abrinq - Save the Children manifesta-se contrariamente à intenção
divulgada pelo Governo do Estado de São Paulo em relação ao
encaminhamento, ao Congresso Nacional, de proposta de projeto de lei que prevê
a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente no que diz respeito à
aplicação de medidas socioeducativas.
Entendemos
que a violência vivenciada no estado de São Paulo, deve ser enfrentada a partir
de análise ampla do cenário da violência que perpassa pela garantia das
políticas sociais básicas de um lado, e de outro, de políticas efetivas de
segurança, investindo-se na inteligência da polícia, na qualificação de seus
efetivos, de política salarial adequada, de combate à compra e distribuição de
armas ilegais e da corrupção que acomete instituições e contingentes da área de
segurança.
A violência só será reduzida quando, em vez de
penalizar individualmente os adolescentes em situação de vulnerabilidade,
comumente cooptados pela criminalidade, que desde seu nascimento são privados
pela ausência de acesso à saúde, educação e proteção, sejam contemplados com
políticas públicas efetivas e integradas que garantam direitos e justiça social
para todos.”
Visite o blog da
pastoral fé e política http://pastoralfp.blogspot.com/
especialmente a seção Cidadania Ativa!!
Pedro Aguerre Professor da PUC-SP, colaborador da
Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 17/04/2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário