Pedro Aguerre*
No comentário de hoje trazemos um tema relacionado
à política educacional que frequentou o noticiário nas últimas semanas e que
provavelmente, deixou dúvidas na população, por ser muito específico e pelo
fato de que grande parte da mídia não tem a tradição de aprofundar temas
sociais e educacionais. Trazemos a questão da conclusão do chamado Sistema de
Seleção Unificada (Sisu). Trata-se de um importante sistema no âmbito do
Ministério da Educação voltado à destinação das vagas em universidades públicas
e institutos federais. Sua importância vem, entre outros motivos, do fato de
ser, junto com o Prouni, um dos principais sistemas voltados à democratização e
ampliação das possibilidades de acesso ao ensino superior. Além disso, este
sistema de seleção incorporou por primeira vez as diretrizes da chamada Lei de
Cotas.
O Sisu ofereceu neste ano quase 130 mil vagas em
101 universidades públicas e institutos federais de educação, para 3752 cursos.
E, já neste ano, estas instituições reservaram um oitavo das vagas, pouco mais
de 10% para estudantes que se enquadravam nos critérios da Lei de Cotas,
voltada para alunos de escolas públicas, sejam eles por critérios
socioeconômicos, de baixa renda, por critérios raciais, negros ou índios, ou
ambos.
Para que se tenha uma ideia quase dois milhões de
pessoas que já concluíram o ensino médio se inscreveram para disputar uma vaga
em uma dessas instituições públicas de ensino superior inscritas no Sisu. E
nada menos que 44% desses candidatos optaram pelas vagas reservadas pela lei de
cotas. Destes, quase meio milhão foi de candidatos que se autodeclararam
pretos, pardos ou indígenas, grande parte deles com renda familiar informada
igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. E quase 170 mil se inscreveram na
provisão da Lei de Cotas, por declararam renda familiar abaixo de 1,5 salário
mínimo, sem a especificação racial. Ou seja, a Lei está de fato estimulando
segmentos sociais egressos da escola pública mas que até hoje tinham
pouquíssimas condições de pleitear uma vaga no ensino superior público.
Vale dizer que a relação candidato vaga do Sisu é
alta, de cerca de 15 candidatos para uma vaga, portanto muitos não conseguirão
entrar neste momento, tendo que buscar outras alternativas de aprimoramento
educacional, como o Prouni, o financiamento educacional, cursos técnicos e
tecnológicos, entre outras.
Ao observar as notas de corte obtidas no Enem para
obtenção da vaga pelo Sisu, constatou-se que os alunos que se inscreveram nas
vagas reservadas pela Lei de Cotas, tiveram notas muito próximas às dos demais
alunos que buscavam ingresso nessas universidades. E isto, sem distinção de
cursos com altíssima concorrência, como medicina, ou outros cursos com menor
exigência para ingresso.
Além disso, ficou claro um fato que, embora
esperado, nem sempre é devidamente considerado, ou seja, que na tradição
anterior dos processos seletivos baseados nos exames vestibulares, as escolas
públicas, que são responsáveis por quase 90% do total dos concluintes do ensino
médio, só conseguiam preencher pequena parcela das vagas, ficando a maioria
para aqueles mais privilegiados economicamente provenientes do ensino privado.
E este é um dado importante pois além de representar uma maior democratização
do ensino, a perspectiva de poder disputar uma vaga numa universidade pública
deverá ter um impacto positivo na qualidade do ensino público, aumentando o
interesse dos governantes na melhoria desse nível de ensino e melhorando o
interesse dos alunos, que terão muito a ganhar, podendo finalmente aspirar à
formação superior. Os alunos cotistas situados nas menores faixas de renda
terão uma bolsa, renovável se o aluno tiver bom desempenho, procurando garantir
a permanência diante da necessidade de trabalhar.
Algumas informações complementares são necessárias.
A Lei de Cotas do ensino superior se inscreve nas chamadas ações afirmativas,
que têm como finalidade corrigir ou atenuar distorções ou desigualdades que não
encontram justificativa racional ou moral para sua permanência. E, neste caso,
não se pode supor que o ensino superior tenha que continuar a ter essa
característica histórica de um privilégio que está restrito aos alunos do
ensino particular. Tomando o exemplo da população negra, que compõe mais da
metade da população brasileira, não parece razoável que o ensino superior seja
de aproveitamento quase exclusivo da população branca, que concentra maiores
recursos econômicos e oportunidades, além de não sofrer com o racismo e a
discriminação que torna tão difícil a ascensão social e o acesso às
oportunidades.
Por fim, a Lei tem prazo determinado de dez anos de
vigência. Até lá, o percentual de vagas reservadas ao ensino público, seja pela
condição de baixa renda, seja para negros e indígenas, deverá aumentar, para
25% das vagas oferecidas, em 2014, chegando a metade das vagas em 2016. Nestes
quatro anos será fundamental a ampliação das vagas e da qualidade do ensino
médio, que é uma prerrogativa fundamentalmente dos governos estaduais, a fim de
que o conjunto dos alunos da rede pública continue, como neste ano, disputando
de igual para igual com os alunos não cotistas.
Outra constatação é de que este sistema de
distribuição das vagas baseado no desempenho no Enem, ainda tem alcance
limitado. Muitas universidades estaduais ainda mantêm exclusivamente o
vestibular, desconsiderando o desempenho do aluno no ensino médio. Poucas estão
também desenvolvendo sistemas de ações afirmativas de amplo alcance. Em São
Paulo, foram feitas propostas e tem havido algumas iniciativas, mas, a julgar
por informações recentemente veiculadas, há dúvidas quanto à potencialidade de uma
expressiva inclusão social, especialmente da população de menor renda e das
populações negra e indígena.
Visite o blog da pastoral fé e política http://pastoralfp.blogspot.com/ especialmente a seção Cidadania Ativa!!
*Professor
da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São
Paulo.
Programa apresentado na Rádio 9 de Julho em 16/01/2013
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