quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A democratização do acesso ao ensino superior público no Brasil: o caso do Sistema de Seleção Unificada (Sisu)


Pedro Aguerre*
No comentário de hoje trazemos um tema relacionado à política educacional que frequentou o noticiário nas últimas semanas e que provavelmente, deixou dúvidas na população, por ser muito específico e pelo fato de que grande parte da mídia não tem a tradição de aprofundar temas sociais e educacionais. Trazemos a questão da conclusão do chamado Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Trata-se de um importante sistema no âmbito do Ministério da Educação voltado à destinação das vagas em universidades públicas e institutos federais. Sua importância vem, entre outros motivos, do fato de ser, junto com o Prouni, um dos principais sistemas voltados à democratização e ampliação das possibilidades de acesso ao ensino superior. Além disso, este sistema de seleção incorporou por primeira vez as diretrizes da chamada Lei de Cotas.
O Sisu ofereceu neste ano quase 130 mil vagas em 101 universidades públicas e institutos federais de educação, para 3752 cursos. E, já neste ano, estas instituições reservaram um oitavo das vagas, pouco mais de 10% para estudantes que se enquadravam nos critérios da Lei de Cotas, voltada para alunos de escolas públicas, sejam eles por critérios socioeconômicos, de baixa renda, por critérios raciais, negros ou índios, ou ambos.
Para que se tenha uma ideia  quase dois milhões de pessoas que já concluíram o ensino médio se inscreveram para disputar uma vaga em uma dessas instituições públicas de ensino superior inscritas no Sisu. E nada menos que 44% desses candidatos optaram pelas vagas reservadas pela lei de cotas. Destes, quase meio milhão foi de candidatos que se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas, grande parte deles com renda familiar informada igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. E quase 170 mil se inscreveram na provisão da Lei de Cotas, por declararam renda familiar abaixo de 1,5 salário mínimo, sem a especificação racial. Ou seja, a Lei está de fato estimulando segmentos sociais egressos da escola pública mas que até hoje tinham pouquíssimas condições de pleitear uma vaga no ensino superior público.
Vale dizer que a relação candidato vaga do Sisu é alta, de cerca de 15 candidatos para uma vaga, portanto muitos não conseguirão entrar neste momento, tendo que buscar outras alternativas de aprimoramento educacional, como o Prouni, o financiamento educacional, cursos técnicos e tecnológicos, entre outras.
Ao observar as notas de corte obtidas no Enem para obtenção da vaga pelo Sisu, constatou-se que os alunos que se inscreveram nas vagas reservadas pela Lei de Cotas, tiveram notas muito próximas às dos demais alunos que buscavam ingresso nessas universidades. E isto, sem distinção de cursos com altíssima concorrência, como medicina, ou outros cursos com menor exigência para ingresso.
Além disso, ficou claro um fato que, embora esperado, nem sempre é devidamente considerado, ou seja, que na tradição anterior dos processos seletivos baseados nos exames vestibulares, as escolas públicas, que são responsáveis por quase 90% do total dos concluintes do ensino médio, só conseguiam preencher pequena parcela das vagas, ficando a maioria para aqueles mais privilegiados economicamente provenientes do ensino privado. E este é um dado importante pois além de representar uma maior democratização do ensino, a perspectiva de poder disputar uma vaga numa universidade pública deverá ter um impacto positivo na qualidade do ensino público, aumentando o interesse dos governantes na melhoria desse nível de ensino e melhorando o interesse dos alunos, que terão muito a ganhar, podendo finalmente aspirar à formação superior. Os alunos cotistas situados nas menores faixas de renda terão uma bolsa, renovável se o aluno tiver bom desempenho, procurando garantir a permanência diante da necessidade de trabalhar.
Algumas informações complementares são necessárias. A Lei de Cotas do ensino superior se inscreve nas chamadas ações afirmativas, que têm como finalidade corrigir ou atenuar distorções ou desigualdades que não encontram justificativa racional ou moral para sua permanência. E, neste caso, não se pode supor que o ensino superior tenha que continuar a ter essa característica histórica de um privilégio que está restrito aos alunos do ensino particular. Tomando o exemplo da população negra, que compõe mais da metade da população brasileira, não parece razoável que o ensino superior seja de aproveitamento quase exclusivo da população branca, que concentra maiores recursos econômicos e oportunidades, além de não sofrer com o racismo e a discriminação que torna tão difícil a ascensão social e o acesso às oportunidades.
Por fim, a Lei tem prazo determinado de dez anos de vigência. Até lá, o percentual de vagas reservadas ao ensino público, seja pela condição de baixa renda, seja para negros e indígenas, deverá aumentar, para 25% das vagas oferecidas, em 2014, chegando a metade das vagas em 2016. Nestes quatro anos será fundamental a ampliação das vagas e da qualidade do ensino médio, que é uma prerrogativa fundamentalmente dos governos estaduais, a fim de que o conjunto dos alunos da rede pública continue, como neste ano, disputando de igual para igual com os alunos não cotistas.
Outra constatação é de que este sistema de distribuição das vagas baseado no desempenho no Enem, ainda tem alcance limitado. Muitas universidades estaduais ainda mantêm exclusivamente o vestibular, desconsiderando o desempenho do aluno no ensino médio. Poucas estão também desenvolvendo sistemas de ações afirmativas de amplo alcance. Em São Paulo, foram feitas propostas e tem havido algumas iniciativas, mas, a julgar por informações recentemente veiculadas, há dúvidas quanto à potencialidade de uma expressiva inclusão social, especialmente da população de menor renda e das populações negra e indígena.
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*Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.
Programa apresentado na Rádio 9 de Julho em 16/01/2013

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