segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ano da Fé – Ano Novo


Durante estes dias, é comum recebermos e darmos de presente calendários e agendas. Esse gesto, tão simples e corriqueiro, nos recorda algo fundamental que constitui nossa vida: somos seres temporais. Temos e somos nossa própria história, que já passou, mas que, de alguma forma, ainda subsiste, porque esse passado se identifica com nossa pessoa. A todo momento, estamos planejando o futuro, que ainda não existe, mas que, de algum modo, se antecipa no nosso hoje. Para o hoje da vida, o passado retorna e converge como recordação, memória e duração; para o nosso agora, o futuro se insere como tensão, esperança e grande mobilização de nossas energias vitais.
O tempo não está fora de nós, como realidade acrescentada ao nosso viver. Ele não somente flui continuamente, nem nos faz passar inexoravelmente com ele, mas pode ser experimentado como oportunidade que interpela nossa liberdade, como acontecimento que nos faz descobrir o sentido de nossa vida, como momento qualitativamente superior ao simples escorrer dos instantes. Além do tempo que flui em momentos indiferentes e quantitativamente iguais entre si, experimentamos ocasiões em que o tempo parece se concentrar, se tornar qualitativamente diferente e importante. Alguns eventos – como o nascimento de filhos, a morte de nossos caros, o encontro dos enamorados, as decisões de vida – podem ser marcados em nossos calendários, mas, pelo seu significado, superam a simples contagem do tempo. É aquilo que os gregos chamavam de kairós (tempo forte e significativo) em oposição ao chronos (simples transcorrer das horas e dos dias). Os cristãos não contam o tempo só  com o relógio, mas o preenchem e o experimentam em comunhão com Cristo: o tempo é vivido como graça, encontro e liberdade.
Podemos, com efeito, sofrer o tempo: junto com ele se esvai a vida, a nossa, a dos outros e a do mundo. Sentimos a ameaça de nossa destruição, quando o tempo cava em nossas faces as rugas, condena-nos à decrepitude e impõe-nos impiedosamente a demência. Ou podemos acolher o tempo como dom e entrar nele com sabedoria cristã, nos apropriando dele, vivendo cada momento e instante como seguimento de Cristo e buscando sintonizar as etapas de nossa vida com o ritmo de Deus.
O Ano Litúrgico é esse modo concreto de os cristãos sincronizarem o seu tempo com a eternidade de Deus. Não é mero calendário de festas religiosas; é primeiramente celebração do mistério do Verbo que se fez carne e habita em nosso tempo. Assim, o Ano Litúrgico nos ajuda a assumir todas as fases da nossa vida, cada mês, semana e dia, como tempo assinalado pela ação salvadora de Deus. O Ano litúrgico, que articula no tempo a totalidade do mistério de Cristo, é para nós um convite permanente para a conformidade com Jesus. Ele tem uma correspondência profunda com a vida cristã e os fatos que a acompanham: a espera, o desejo e a realização do Natal; a purificação, o drama da paixão, a morte, a ressurreição para a vida nova da Páscoa e a missão de Pentecostes. Podemos nos assemelhar a Cristo justamente porque nada de nossa vida é deixado à margem da sua encarnação e da sua vinda ao nosso tempo.
O conteúdo do Ano Litúrgico constitui a essência da Palavra de Deus e da própria fé da Igreja: o mistério de Cristo. De fato, Cristo é o centro e o conteúdo da oração, da vida e da missão da Igreja. Por isso, o Ano Litúrgico não é somente uma estrutura ou uma idéia, mas é a própria pessoa de Cristo e o seu mistério realizado e celebrado no tempo.
A celebração do Ano Litúrgico nos ajuda a viver o que é indizível e inexplicável, nos convida a experimentar o que supera nossa temporalidade. No Ano Litúrgico, a imortalidade de Deus toca nossa caducidade; Deus insere e derrama sua eternidade no fluir de nosso tempo e antecipa para nosso hoje sua promessa. Para nós é muito difícil pensar e entender o que seja a eternidade, que não é o correr indefinido do tempo, mas uma qualidade diversa de ser e de viver própria de Deus. Na celebração do Ano Litúrgico, o futuro e o passado, nosso e o do mundo, convergem e se concentram num presente que já não é mais tempo. Um não-tempo em que o amor não conhece desgaste, o afeto não se perverte em ciúme, a comunhão com Deus e com os irmãos não termina nem é seletivo, o sentido não é fragmentado nem parcial, a generosidade não se corrompe em mesquinhez.
Nesse sentido, desejar “feliz Ano Novo” carrega o desejo de que o tempo seja experimentado e vivido como a eternidade de Deus.

Ano Feliz é 2013 vivido com fé!
+ Julio Endi Akamine SAC

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