Márcia Castro*
Na semana passada
fizemos uma breve retrospectiva sobre as Semanas
Sociais Brasileiras (SSBs) que são longos processos participativos e portanto não
nos chegam prontas, mas são
construídas coletivamente. A 5ª SSB que tem como tema a “Participação da
sociedade no processo de democratização do Estado Brasileiro”. Trata-se de uma
trajetória reflexiva que está em curso e que procura abrir caminhos a partir do
Estado que temos para o Estado que queremos. Como podemos construir juntos os
canais, mecanismos e instrumentos dessa participação popular?
As SSBs têm
como símbolo o girassol que pode nos indicar ao menos quatro lições (Pe.
Alfredo J. Gonçalves, CS). Primeiramente, como toda planta, antes de crescer
para cima, o girassol cresce para baixo, mergulha as raízes no solo úmido e
escuro e matura em silêncio no ventre fecundo da terra. Na medida em que busca
o Estado que queremos, a discussão da 5ª SSB deve estudar a fundo as mazelas do
Estado atual, e deve conhecer as vítimas de uma prática política viciada. Antes
de pensar numa planta vigorosa que podemos chamar de “projeto popular para o
Brasil” é necessário fortalecer suas raízes no chão da cultura e população
brasileira.
Em segundo
lugar, como toda flor, a passagem do girassol pela existência é transitória.
Sabendo-se hóspede pela face da terra, doa-se incondicionalmente enquanto está
vivo. A construção de novas vias para o exercício da política exige de cada
protagonista doação integral. O bem comum prevalece sobre os interesses
pessoais, familiares, grupais, partidários, corporativistas. O conceito de “bem
comum” só será possível se e quando firmemente ancorado em princípios éticos. O
tema da ética na política pouco avançou em termos de prática real e eficaz.
Numa
terceira lição, diferentemente de outros vegetais, o girassol reafirma a cada
dia seu próprio nome. Acompanha a trajetória do astro rei, girando de acordo
com sua órbita, permanecendo-lhe fiel do nascente ao poente. Nutre-se dessa
fonte de luz e até mesmo quando o sol se oculta, o girassol curva-se sob o
solo. Vale o mesmo para a construção participativa de um projeto popular do
Estado que queremos. Não importa a densidade das trevas em que vivemos, com a
luz e o calor do sol, será possível refazer os caminhos da política e de uma
verdadeira democracia.
Por fim, o
girassol, embora de existência breve, prolonga-se eternamente na semente que
deixa cair no chão ou que os pássaros carregam para terras mais férteis. A semeadura é seguida de um tempo de maturação.
O relógio da mãe terra e de Deus não coincide com o relógio dos homens e da
história. Trabalhar em termos políticos não é fazer algo para um retorno
imediato. Se trata de levar em conta as necessidades básicas de toda a
população, priorizando evidentemente os setores que tenham sua vida mais
ameaçada.
Temos que
ser o jardineiro que prepara o terreno, lança a semente, e repousa tranquilo,
pois tem certeza que a natureza há de fazer o resto, desde que ele não se
descuide do cultivo da planta. Quantas vezes a ansiedade nos deixa impacientes!
O trabalhador da terra ensina que não se pode fazer a parte nossa e a parte do
Espírito de Deus. Importa fazer nossa parte, sem dúvida, e da melhor forma
possível. Mas importa igualmente confiar na ação de Deus. Viver o ano da fé na certeza
da presença de Deus tecendo os caminhos da história.
A 5ª SSB
nos convida a essa tarefa de tecer novos caminhos. Precisamos sair da
arquibancada, entrar no campo e participar do jogo. Sair de um patriotismo
passivo, do discurso de que "não tem jeito" e participar ativamente
nos debates sobre o destino do país. Nesse desafio conjunto, como deve ser a
nova cara do Estado? Como avançar para um tipo de democracia mais direta,
inclusiva e participativa? Não há respostas fáceis, nem receitas prontas. O
mutirão envolve a todos sem exceção e você qual Estado quer?
*Membro da
Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo.
Apresentado
no Programa Igreja em Notícia da
Rádio 9 de Julho em 18/01/2013.
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