Continua avançando o período eleitoral. Por
definição, do ponto de vista da cidadania, qualquer eleição deve possibilitar,
sempre, uma ampliação da consciência política da sociedade, um processo
pedagógico de aprendizado coletivo, de diálogo das pessoas em função de
propostas para as cidades, de avaliação de candidatos e candidatas, de
participação consciente e, por fim mas não menos importante, de atenção para a
lógica geral do processo, verificando se as regras vigentes são adequadas ou
devem ser aprimoradas. Nós, por sinal, temos procurado defender sempre a
importância de uma verdadeira reforma política, que agora vem sendo
impulsionada por um abaixo assinado disponível no site http://www.reformapolitica.org.br/.
Daqui a duas semanas, quando faltarem exatos 47
dias para as eleições terá início a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na
televisão, de acordo com a Lei nº 9.504/1997. Entraremos naquilo que é
considerado o momento fundamental do processo eleitoral em todos os municípios
brasileiros. Embora seja possível tecer sérias críticas às regras vigentes, o
horário eleitoral ganha extrema importância concreta, pois constitui a
principal estratégia para uma maior disseminação das propostas dos candidatos.
O tempo é distribuído de forma proporcional à representatividade política das
candidaturas, favorecendo os maiores partidos e os candidatos que conseguem
montar chapas mais amplas, mediante coligações, agregando tempo de televisão. E
a propaganda eleitoral se soma às campanhas na rua, à presença dos militantes,
à disseminação das propostas dos candidatos, com outros tipos de eventos e
propaganda. Nesse momento os candidatos se tornam mais conhecidos, fica mais
claro quem são os apoiadores deste e daquele, quais as forças que os candidatos
agregam, firmam compromissos com a sociedade civil organizada, ocorrem debates
públicos, carreatas, caminhadas e a população vai formando sua opinião e
decidindo seus votos para os cargos de prefeito e vereador.
Enquanto a eleição não entra em seu período mais
intenso, contudo, vivemos um período em que muita coisa importante está em
curso no país, que se mostra fundamental conhecer e discutir mais. Entendendo
sua essência poderemos caminhar para o aprimoramento da democracia, melhorando
as nossas instituições e lutando para buscar a prevalência do interesse maior
da sociedade como um todo, sobre os interesses de poucos.
Todos têm visto na mídia o início do processo de
julgamento no Supremo Tribunal Federal da ação penal 470, que foi intitulada de
‘mensalão do PT’. Esse julgamento tornou-se o tema favorito da mídia, dedicando
seus preciosos minutos aos seus mínimos detalhes. Assim a maior parte da
população é apresentada ao que seria o maior escândalo político de todos os
tempos. O próprio Supremo Tribunal parece que está sendo julgado, pois vemos
serem lançadas suspeitas e dúvidas sobre o comportamento dos juízes, a cada dia
que passa. Passados os primeiros dias dessa magnífica cobertura, muitos
articulistas tem se animado a olhar de forma crítica para esse espetáculo de
mídia, trazendo outras contribuições importantes.
Em síntese, alguns experientes e insuspeitos
jornalistas têm demonstrado que o crime julgado é essencialmente de receber
recursos não contabilizados, ou seja, de caixa 2, para financiamentos
eleitorais, por meio da arrecadação de recursos privados, pagos de forma
irregular a partidos e campanhas políticas. E ao mencionar isso, dizem que o
processo que levou à CPI e ao julgamento ora em curso é semelhante ao ocorrido
alguns anos antes em Minas Gerais, envolvendo o outro grande partido, o PSDB e
o mesmo Marcos Valério. E envolvendo valores ainda maiores. Mas só o caso
atual, envolvendo o PT, tem merecido toda essa atenção da mídia. E antes disso,
já houvera outro tratamento distinto entre os dois casos, uma vez que o
Ministério Público Federal os analisou de forma totalmente diferente. Em um
caso levou todos ao banco dos réus do Supremo, enquanto, no outro, só três
parlamentares vão ao STF e os demais envolvidos serão julgados, se os crimes
não prescreverem, pela justiça estadual. Ademais, os crimes imputados a uns e
outros resultaram distintos, mais graves para uns e muito menos graves para
outros. E embora calando sobre o outro caso, neste, o Procurador Geral da
República, que é a autoridade máxima do Ministério Público, insinuou tratar-se
de caso inédito na República, de gravidade insuperável. Não se está aqui
defendendo uns ou outros, ao contrário, afirma-se a importância da apuração,
mas assinalando que as instituições tem que buscar a coerência e a maior
racionalidade possível, evitando politizar exageradamente os fatos, pois aí se
perde a isenção e quem resta prejudicada é a busca da justiça. O próprio Jânio
de Freitas afirma que “o que se constata a partir do mensalão mineiro é
(...) nada menos do que estarrecedor”.
Mas se os dois casos se inscrevem nas péssimas
conexões entre política e financiamento de campanhas, deixa-se de fortalecer o
acompanhamento de um dos casos mais extremos que já apareceu no País, neste
assunto, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das atividades mafiosas do
Sr Cachoeira. E aqui não se trata de um processo de alguns anos atrás, mas de
um conjunto de investigações que levaram recentemente a prisões e que tem
revelado uma máfia infiltrada no Estado, que surge a partir desse mesmo fato da
presença dos financiamentos escusos nas campanhas eleitorais. Em artigo
publicado na Folha em 3 de agosto, o relator da CMPI, deputado Odair Cunha
(PT-MG) disse que estão sendo investigadas 516 contas bancárias distribuídas
por 21 bancos. E que a base de dados envolve um “volume financeiro que passa de
R$ 18 bilhões”.
A base dessa riqueza é o jogo ilegal, que é
transferido para atividades lícitas e também para atividades de campanhas
políticas. Assim, essa organização criminosa, tendo criado o vínculo com os
políticos a partir dessa atividade de financiamento das campanhas eleitorais, passa
a conseguir contratos de obras e serviços com diferentes governos,
principalmente governos de estados e prefeituras e a cooptar membros dos
poderes legislativos, dos executivos, do judiciário e da imprensa, agora não
mais durante campanhas eleitorais mas sim de forma permanente e profissional. E
o que causa insuperável espanto é que são inúmeras as situações de
constrangimento de autoridades, ameaças, veladas ou não àqueles que estão
trabalhando para desbaratar a quadrilha. A mídia e a opinião pública precisam
fortalecer a CPMI, precisam apoiar as investigações, pois a ampla cobertura
pode evitar situações constrangedoras como aquela que a própria cônjuge do Sr
Cachoeira protagonizou quando teria ameaçado o juiz para que soltasse o
criminoso ou ela autorizaria a divulgação de um dossiê comprometedor desse
magistrado. Felizmente o Juiz não se intimidou e as investigações continuam.
Em conclusão, neste momento não temos o direito de
sermos pessimistas. Podemos aprender com estes fatos, aprimorar nossas
instituições, melhorar as legislações e, principalmente, perseguir uma reforma
política que transforme a situação atual. Os períodos eleitorais são momentos
privilegiados para ampliação da consciência política, buscando eleger pessoas
comprometidas com outra forma de fazer política, com mais participação da
sociedade e maior controle social.
* Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e
Política e da Escola de Governo de São Paulo
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 08/08/2012.
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