sexta-feira, 3 de maio de 2013

A questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança?


 Márcia Castro*

A questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança?

Estamos enquanto Igreja voltados para a juventude e vem a tona a questão da redução da maioridade penal. A maioria das matérias que vemos na grande mídia reforçam o imediatismo. A cada crime brutal cometido por um adolescente, discutimos os efeitos da violência, mas não as suas causas.
Na 51ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Aparecida (SP) de 10 a 19 de abril, os bispos reafirmaram a posição contrária da Igreja à redução da maioridade penal. O presidente da CNBB, cardeal dom Raymundo Damasceno Assis, afirmou que reduzir a maioridade penal não ajudará a resolver o problema da violência no país. Os crimes tem a ver com a desagregação das famílias, a insuficiência de políticas públicas e a falta de oportunidades de educação e preparação para o trabalho. Reduzir a maioridade violenta e penaliza ainda mais os jovens, principalmente os pobres, negros e das periferias”.
D. Odilo (Arcebispo de São Paulo) alerta para o fato que muitos adolescentes são “usados” por criminosos adultos, que se valem da não punibilidade de menores; os “mandantes” são responsáveis de organizações criminosas que manipulam e envolvem menores. O cardeal menciona a família que é cobrada quando aparece um menor infrator. Mas quem apoia a família e estimula os pais no cumprimento de seu dever?
A sociedade de forma geral defende a redução da maioridade penal e o jovem estudante de jornalismo Vinícius Bocato pergunta: A questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança? Diz ele a primeira reação é de indignação, mas não podemos deixar que a emoção nos leve a atitudes irresponsáveis. Expõe os motivos pelos quais é contra a redução da maioridade penal:
1. As leis não podem se basear na exceção - Dentre os 9.016 internos da Fundação Casa, neste momento apenas 83 infratores (menos que 1%) cometeram latrocínio (caso que reacendeu o debate sobre a maioridade penal na última semana). 
2. O debate está focado nos efeitos, não nas causas da violência - a sociedade que grita pela redução da maioridade penal não tem a mesma reação quando a vítima mora na periferia.
O Instituto Não Violência afirma que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem "leves” ou "pesadas”), falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer.
No site da Fundação Casa a pesquisa que revela o perfil dos internos (2006) evidencia que a falta de estrutura familiar, de educação, a exposição maior à violência nas periferias e a falta de políticas públicas para esses jovens os tornam muito mais suscetíveis a cometer pequenos crimes. A Fundação Casa, que em vez de recuperar os jovens, acaba incentivando os internos a subir esses degraus do crime. No relato de um pedagogo  "De Febem a Fundação Casa” da Fundação que sofreu ameaças por contestar os atos abusivos há o fato que  atos de violência contra os adolescentes são cotidianos e descarados, apoiados inclusive pelo diretor, que também "bate na cara dos meninos”. Essa violência só poderia resultar em crimes cada vez mais graves cometidos pelos garotos.
3. A redução da maioridade penal tornaria mais caótico o já falido sistema carcerário brasileiro e aumentaria o número de reincidentes
Dados objetivos: Temos no Brasil mais de 527 mil presos e um déficit de pelo menos 181 mil vagas. A superlotação e as condições desumanas das cadeias brasileiras é um sistema incapaz de recuperar alguém.
A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema carcerário como tende a aumentar o número de reincidentes. 
4. Ao contrário do que é veiculado, reduzir a maioridade penal não é a tendência do movimento internacional
Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.” A tendência é combater com medidas socioeducativas.
5. A medida é inconstitucional; a questão da maioridade faz parte das cláusulas pétreas da Constituição de 1988, que não podem ser modificadas pelo Congresso Nacional (saiba mais sobre as cláusulas pétreas da CF aqui). Seria necessária uma nova Assembleia Constituinte para alterar a questão.
6. "O que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição”, diz o advogado Ariel de Castro Neves. "No Brasil existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário”.
O jovem conclui propondo:
·         Que tal nos mobilizarmos para cobrar uma profunda reforma na Fundação Casa, de forma que ela cumpra minimamente seus objetivos?
·         Cobrar profunda reforma no sistema carcerário brasileiro, que possui 40% de presos provisórios? Será que todos deviam estar lá mesmo?
·         E melhor ainda: que tal nos mobilizarmos para que o Governo invista pesado na prevenção da criminalidade, como escolas de tempo integral, atividades de lazer e cultura? Estudos mostram que quanto mais as crianças são inseridas nessas políticas públicas, menores as chances de serem recrutadas pelo mundo das drogas e pelo crime organizado.
"Quando o Estado exclui, o crime inclui”, afirma Castro Alves.

*Membro da Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo.
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 03/05/2013.

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