Pedro Aguerre*
A crise
na área da segurança pública foi um dos temas mais dramáticos durante todo o
ano passado na vida da cidade de São Paulo, na região metropolitana e em outras
regiões do Estado, culminando com a destituição do Secretário anterior e a
nomeação de um novo Secretário de Segurança Pública, o Dr. Fernando Grella
Vieira, em novembro, e a substituição da cúpula dirigente das polícias.
Uma das
explicações para a terrível crise teria sido um conjunto de situações de
confronto envolvendo Polícia Militar e crime organizado, gerando um trágico e
lamentável círculo vicioso, uma escalada de violência que, envolvendo ações
violentas de lado a lado gerou os conhecidos assassinatos de policiais, as
quais, segundo evidências documentadas pela imprensa, levaram a ações de
represália, com homicídios múltiplos de jovens nas periferias, havendo fortes
evidências de atuação de grupos de extermínio e de violência cometida pelas
forças policiais, com ou sem uniforme. A situação lembrou outras situações de
crise vividas anteriormente, como aquela chamada de “Os Crimes de Maio”, de
2006, que deu origem ao movimento Mães de Maio, atingindo a região da Grande
São Paulo e a Baixada Santista, quando mais de 500 civis foram mortos, segundo
dados da própria Secretaria de Segurança Pública. Em 2010, outra escalada, também
envolvendo violência policial, e homicídios e chacinas nas periferias, com
indícios de execuções extrajudiciais. Dossiês sobre a violência institucional foram
encaminhados para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, órgãos
internacionais, nacionais e estaduais, os quais reconheceram os abusos, pedindo
transformações profundas na área.
Em todos
estes casos, um dos aspectos mais estudados e denunciados, é que a violência
policial não é suficientemente apurada e combatida, não só pela fragilidade dos
órgãos de controle social, como, entre outros fatores, pela histórica vigência
do instituto jurídico intitulado “Autos de resistência seguida de morte”,
quando a ação policial leva ao resultado da morte de civis. Diversos estudos
constataram, em muitas das situações em que as mortes foram causadas por
policiais, que muitas vezes não se tratava de resistência ou de confronto com a
vítima, e sim, em resumo, de mortes evitáveis, de situações em que as pessoas
não estavam em situação de confronto ou em fuga, mas que foram mortos muitas
vezes à queima-roupa, em uma situação francamente desigual, sem sequer restar
caracterizada a situação de conflito ou ocorrência de crime, que admitisse o
uso da violência letal.
O Comitê
Contra o Genocídio da Juventude Negra, Pobre e Periférica, é uma inciativa que
procura transformar essa situação e é integrado por um grande número de
entidades, especialmente movimentos sociais e grupos culturais que nasceram e
atuam nas periferias urbanas, do Hip Hop, do movimento negro, do GT Juventude
da Rede Nossa São Paulo, e que conta com a presença de órgãos como a Defensoria
Pública, o Condepe, a pastoral carcerária, entre dezenas de outras. Atuando
mais intensamente desde julho de 2012 liderou e articulou uma solicitação
de audiência com o Secretário da Segurança Pública e os altos comandos das
polícias do estado de São Paulo para pedir explicações e fazer um conjunto de
reivindicações em relação aos terríveis acontecimentos dos últimos meses do ano
passado e do início deste, quando centenas de jovens foram mortos. Jovens em
sua maioria negros e pobres da periferia de São Paulo e dos municípios do
entorno.
A
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo é o local onde estava previsto
acontecer a audiência pública para debater questões relacionadas às políticas
de segurança no estado de São Paulo e ações de combate ao genocídio da
juventude negra, nesta última terça-feira (19/3), a partir das 17h. Contudo, a
esperada presença de representantes da Secretaria Estadual de Justiça e dos
comandos, corregedorias e ouvidorias das polícias Civil e Militar do estado não
ocorreu, inviabilizando uma audiência pública que havia sido previamente
negociada e combinada.
Para estas
organizações, o termo genocídio, utilizado em caso de execução sistemática de
uma etnia específica, é o que melhor define a ação violenta de agentes de
segurança do Estado contra jovens negros das periferias nos últimos anos,
refletida em índices bastante preocupantes.
A
Campanha vem conversando com instituições como a Defensoria Pública de São
Paulo, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e
a Pastoral Carcerária e reunindo dados, informações e denúncias que mostram a
gravidade do problema. De acordo com estas organizações, 2.262 pessoas foram
mortas em supostos confrontos com a polícia entre 2006 e 2010. São mais de 450
mortes a cada ano. Do total de vítimas de intervenções legais, 77,3% são jovens
entre 15 e 29 anos de idade, sendo 54% negros (pretos e pardos). Na cidade de
São Paulo, 93% de casos de morte por policiais acontecem nas periferias.
De acordo
com membros do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra, o objetivo central
da atividade é cobrar o poder público e exigir dele uma resposta para impedir a
continuidade de crimes cometidos pelos próprios agentes do Estado, por meio de
suas polícias, sob a alegação de combate ao crime organizado.
A carta
encaminhada pelo Comitê ao Secretário de Segurança Pública do Estado traz uma
avaliação dos acontecimentos e um conjunto de reivindicações e pedidos de respostas
ao Estado, como a exigência da responsabilização dos agentes que estiveram
envolvidos.
O documento
que o Comitê apresentaria na audiência pública, de ontem, às 17.30hs, na USP,
Largo São Francisco, se divide em seis eixos, cada qual acompanhado de informações
graves organizadas com seriedade e farta documentação e reivindicações
específicas. Seguem as reivindicações expressas na Carta:
1.
Sobre o Racismo Institucional:
Que seja feito mapeamento
racial de mortes e o combate efetivo ao racismo no Estado.
Que sejam efetivadas as
políticas públicas ao povo negro e que finalmente seja reconhecida a
necessidade de reparação histórica.
2.
Sobre as Mortes de Civis:
Que todos os casos de mortes
de civis por policiais sob alegação de confronto sejam registrados e
investigados como “Homicídios causados pela ação policial”.
Que sejam recuperados e
renominados todos os casos que foram classificados no passado como “Auto de
resistência” ou “resistência de seguida de morte”, para se adequar a acertada
Resolução, denominando-os adequadamente nos Inquéritos e processos como
“homicídio”, para que sejam investigados e apurados como tal.
Que os dados oficiais sobre
homicídios causados pela ação policial sejam levantados com a devida urgência,
recuperando e inserindo-se os casos que foram classificados como “Auto de
resistência” ou “resistência de seguida de morte” e os que passaram a ser
classificados como “lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “morte
decorrente de intervenção policial”, para que sejam publicados regularmente
pelo poder executivo do Estado, de modo que qualquer cidadão tenha acesso a
essas informações.
Que a Pesquisa de Vitimização
seja publicizada ao mesmo passo que é atualizada, para que a população tenha
acesso às informações. Nela devem constar dados sobre a letalidade policial,
evidenciando locais aonde há maior ocorrência de letalidade.
Que as investigações com
suspeitas de envolvimento de policiais sejam imediatas, efetivas, aprofundadas,
independentes e imparciais, com resultados públicos e publicizados sobre os
resultados, ocorrendo-se de acordo com os parâmetros internacionais de direitos
humanos.
Garantir o respeito dos
direitos humanos e liberdades fundamentais na execução do trabalho dos órgãos e
agentes de segurança pública de acordo com os marcos legais nacionais e
internacionais de direitos humanos.
Que se comprometa com o
reconhecimento do direito das vítimas e familiares de vítimas da violência e
arbitrariedade policial, prioritariamente letal, à uma reparação adequada,
efetiva e imediata.
3.
Sobre os Poderes Executivo, Judiciário e os Mecanismos
de Controle Social:
Que sejam criadas em âmbito
estadual comissões permanentes compostas por órgãos públicos pertinentes,
sociedade civil e acadêmicos especializados sobre o tema, para conhecer e
monitorar a letalidade policial.
Que ministérios públicos
estaduais registrem todos os casos de mortes de civis por policiais em alegado
confronto como Homicídios causados pela ação policial e que também
disponibilizem para o acesso público em suas páginas eletrônicas dados oficiais
relativos a sua atuação nessas ocorrências.
Que se constitua mecanismos
efetivos visando-se impedir e paralizar as intervenções políticas nas
investigações em que sejam os agentes policiais réus.
Que a Corregedoria seja composta
por profissionais independentes, sejam eles civis ou por meio da criação de uma
carreira própria dentro da policia.
Que seja regularizada a
situação da Ouvidoria das Policiais, com a nomeação de Ouvidor/a dentre os
nomes constantes da lista tríplice enviada pelo CONDEPE em meados de 2012.
Que haja o fortalecimento da
Ouvidoria, a partir da atribuição de corpo próprio de funcionários e autonomia
administrativa e financeira, contribuindo para maior efetividade na sua
atuação, além da publicização do tipo de punições em seus relatórios.
Que se crie ou reformule os
canais de denúncia para dar a segurança necessária para a população e que seja
feita uma ampla campanha de estímulo e orientação aos denunciantes.
Fortalecimento da Comissão
Especial para a Redução de Letalidade, com a participação de outros setores da
sociedade civil, como o Movimento Negro, e outros de defesa de Direitos
Humanos, contando com a presença da Defensoria Pública. A comissão deve
apresentar à sociedade um Plano de Redução da Letalidade, cujo monitoramento
deve ser publicizado para garantir o controle social e deve ter acesso a todas
as ocorrências de ação policial com resultado letal, com a data, horário, local
dos fatos e transcrição do histórico.
Que os (IML) Institutos Médico
Legais, órgãos e responsáveis pelas perícias investigativas no Brasil sejam
independentes da polícia, e dotadas de autonomia financeira e técnica,
reforçando-se o seu controle externo.
4.
Sobre a Apuração de Grupos de Extermínio:
O reconhecimento da existência
ou de indícios de existência de Grupos de Extermínio dentro da Polícia pelo
Governo do Estado de São Paulo.
Uma ampla investigação pelo
Ministério Público em colaboração com a Polícia Federal, a respeito dos Grupos
de Extermínio, e o desenvolvimento de um conjunto de ações com a finalidade de
eliminar a existência desses aparatos, sendo divulgados à população nos
próximos anos os resultados desse trabalho.
5.
Sobre a Desmilitarização da Polícia e uma nova
política de segurança pública:
A desmilitarização das
Polícias
Plano de Segurança Pública,
construído com a participação da população e de órgãos ligados aos direitos
humanos, capaz de integrar as necessidades sociais da população, a fim de
reduzir a violência.
O fim da ROTA, órgão policial
amplamente denunciado e reconhecidamente letal e violento.
6.
Sobre Encarceramento:
Adoção de todas as medidas
adequadas à redução da população privada de liberdade neste Estado que mais
prende pessoas no país, e interrupção da construção de novos presídios e unidades
de internação, realocando o investimento à redução das condições de alta
vulnerabilidade que atingem as pessoas egressas do sistema carcerário e
socioeducativo;
Que os dados sobre “mortes” no
interior das unidades prisionais e socioeducativas do Estado, sobre “mortes”
das pessoas egressas destes sistemas, incluindo-se os adolescentes em
cumprimento de liberdade assistida, sejam sistematizados e publicizados em sistema
via web, para ser acessível a qualquer cidadão;
Apoio do Governo deste Estado
à rejeição e retirada de toda e qualquer proposta de redução da maioridade
penal ou do aumento do tempo de internação, por parte do poder legislativo
federal;
Apuração das condições
degradantes das prisões e unidades de internação paulistas;
Investigação das razões pelas
quais, apesar das dotações orçamentárias, os produtos de higiene não chegam a
população carcerária;
Criação do Mecanismo de
Prevenção e Combate à Tortura do Estado de São Paulo, em observância ao
Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas;
Fim da Revista Vexatória e
apuração de responsabilidades;
Rejeição de toda e qualquer
proposta de privatização do sistema prisional e socioeducativo;
Criação da Ouvidoria Externa
do Sistema Prisional, garantidos todos os mecanismos de participação popular a
ela inerentes.
Visite o blog da pastoral fé e política http://pastoralfp.blogspot.com/ especialmente a seção Cidadania Ativa!!
*Professor da PUC-SP,
colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo
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