quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O problema do racismo e da discriminação no Brasil: legados históricos a serem superados


Pedro Aguerre*
Nestas últimas semanas diversos acontecimentos trouxeram à tona a discussão sobre práticas de preconceito e racismo na sociedade. Essas situações são como a ponta de um iceberg, ou seja, são alguns exemplos que chegaram à opinião pública dentre muitos outros que passam despercebidos na sociedade. Mas essas situações têm que ser aproveitadas para ampliar a discussão e sensibilização questionando por que estas situações são ainda tão presentes na vida da nossa sociedade. Ao discutir e refletir, as pessoas acabam identificando e trazendo outros casos e exemplos conhecidos do cotidiano, que não chegam à mídia e que ocorrem no bairro, na vizinhança, em qualquer lugar, muitas vezes com terríveis consequências. Ao provocar debates junto aos órgãos competentes, como a Defensoria ou o Ministério Público e o Judiciário, permitem criar novas regras e punições, contribuindo para a evolução dos costumes e das práticas sociais, como foi o interessante caso da Lei Maria da Penha, para enfrentamento da violência contra as mulheres.
Preconceito de cor, de classe social, preconceito e inferiorização da condição feminina e a própria homofobia, que são as reações violentas contra homossexuais, frequentam o noticiário e muitas vezes resultam em explosões irracionais de violência que causam graves danos aos atingidos, ferimentos e até a morte. Para cada uma dessas situações há terríveis estatísticas que comprovam o prejuízo social destas práticas. As práticas de discriminação e violência podem ser de indivíduos ou de grupos. Podem ocorrer dentro das casas, no espaço público ou em empresas. E podem ocorrer dentro da ação governamental ou de Estado. Neste caso se está diante do que é chamado de racismo institucional, que se refere à situação em que estas práticas são toleradas ou mesmo estimuladas em instituições, por parte de seus dirigentes ou pelos regulamentos (escritos ou tácitos), de forma explícita ou velada. Esse racismo opera de forma tal que, sutilmente, os funcionários e pessoas que estão sob suas ordens, se sentem estimulados ou valorizados ao reproduzir discursos e práticas inferiorizadoras. As violências simbólica e institucional se perpetuam em muitas instituições da sociedade, como a mídia e a escola, ou o sistema de segurança pública e os tribunais, gerando constrangimentos, induzindo práticas, impedindo a plena expressão das potencialidades humanas.
No caso brasileiro podemos dizer que o preconceito e a discriminação são uma herança de uma sociedade patriarcal e clientelista, portanto também machista e autoritária, que veio se modernizando muito lentamente, sem dar grande importância ao combate de uma cultura que vê o diferente como inferior. Como sabemos bem, o Brasil não só foi o país que teve o maior período de escravidão no mundo moderno, como também o maior volume de pessoas escravizadas, ao longo da história. Pelas características da colonização e do desenvolvimento nacional, a mulher também foi inferiorizada e colocada em situação de desvantagem que se expressa em sua menor presença na política e em cargos de maior responsabilidade e de comando e em menores rendimentos no trabalho.
O preconceito e o racismo são expressões de elementos culturais incompatíveis com a sociedade moderna, e tem sua origem em nossa história. Muitos povos e países, como os Estados Unidos e a África do Sul, conduziram lutas históricas contra as discriminações que ficaram conhecidas como lutas pelas liberdades civis, que exigiram reconhecimento da igualdade entre as pessoas. Esta afirmação se sustenta nos mais diversos textos jurídicos, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando afirma em seu artigo segundo Artigo II que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. E também está no preâmbulo de nossa Constituição quando esta nos convoca a “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...” 
É por isso que é uma responsabilidade do Estado Brasileiro e da sociedade combater e mudar práticas como essas ainda tão presentes. Dois casos recentes ocorridos no Rio de Janeiro, de crianças negras maltratadas por funcionários de empresas tiveram repercussão nacional. No caso da concessionária dos automóveis de luxo BMW, uma criança negra de sete anos que era a filha adotiva de um casal branco que visitava a loja, foi forçada a se retirar da sala de televisão da loja, alegando que ali não era lugar para crianças como ela. Poucos dias depois, em uma farmácia, também na zona sul do Rio, um funcionário se aproximou e colocou as mãos sobre os ombros de um menino e perguntou à operadora de caixa, por duas vezes, se o garoto estava incomodando. Em seguida sua avó reagiu, dizendo não acreditar que ele estava falando assim com menino: “Se fosse branco de olho azul você não estaria falando isso. Agora, porque ele é negro você está falando isso?”
Este tipo de situação vexatória e discriminatória se observa muito também na mídia, especialmente na televisão, e em instituições do Estado. Há poucos dias, veio a público uma ordem de serviço emitida por um oficial comandante de batalhão da polícia militar da região de Campinas. O documento orientava para o reforço do policiamento procurando genericamente por indivíduos de cor parda e negra, com idade entre 18 a 25 anos, devido a reclamações de moradores... Para além do debate que se travou sobre essa ordem de serviço ter ou não teor racista e discriminatório, ou de as suspeitas se basearem em indícios totalmente vagos, o documento serviu para mostrar uma cultura disseminada e naturalizada de preconceito e discriminação.
Pesquisa de opinião pública intitulada Violência contra a Juventude Negra no Brasil, encomendada pela Secretaria da Igualdade Racial ao instituto DataSenado procurou aprofundar as razões para os dados inaceitáveis da morte de jovens negros por homicídio no Brasil, que são mais que o dobro em relação às mortes de brancos.  Em uma das perguntas, perguntados se a morte de um jovem branco choca mais que a morte de um jovem negro, mais da metade dos respondentes responderam afirmativamente. E, por fim, em outra pesquisa divulgada recentemente, 80% afirmavam haver sim racismo e discriminação no Brasil. Mas quase todos os respondentes se diziam não ser o seu caso... Ou seja, temos até dificuldade de reconhecer sua existência e, nós, o que mostra que a discriminação ainda é uma marca profunda da nossa cultura, que nos cabe combater e superar.
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*Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 06/02/2013

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