Pedro Aguerre*
Nestas últimas semanas diversos acontecimentos
trouxeram à tona a discussão sobre práticas de preconceito e racismo na
sociedade. Essas situações são como a ponta de um iceberg, ou seja, são alguns
exemplos que chegaram à opinião pública dentre muitos outros que passam
despercebidos na sociedade. Mas essas situações têm que ser aproveitadas para
ampliar a discussão e sensibilização questionando por que estas situações são
ainda tão presentes na vida da nossa sociedade. Ao discutir e refletir, as
pessoas acabam identificando e trazendo outros casos e exemplos conhecidos do
cotidiano, que não chegam à mídia e que ocorrem no bairro, na vizinhança, em
qualquer lugar, muitas vezes com terríveis consequências. Ao provocar debates
junto aos órgãos competentes, como a Defensoria ou o Ministério Público e o
Judiciário, permitem criar novas regras e punições, contribuindo para a
evolução dos costumes e das práticas sociais, como foi o interessante caso da
Lei Maria da Penha, para enfrentamento da violência contra as mulheres.
Preconceito de cor, de classe social, preconceito e
inferiorização da condição feminina e a própria homofobia, que são as reações
violentas contra homossexuais, frequentam o noticiário e muitas vezes resultam
em explosões irracionais de violência que causam graves danos aos atingidos,
ferimentos e até a morte. Para cada uma dessas situações há terríveis
estatísticas que comprovam o prejuízo social destas práticas. As práticas de
discriminação e violência podem ser de indivíduos ou de grupos. Podem ocorrer
dentro das casas, no espaço público ou em empresas. E podem ocorrer dentro da
ação governamental ou de Estado. Neste caso se está diante do que é chamado de racismo
institucional, que se refere à situação em que estas práticas são toleradas ou
mesmo estimuladas em instituições, por parte de seus dirigentes ou pelos
regulamentos (escritos ou tácitos), de forma explícita ou velada. Esse racismo
opera de forma tal que, sutilmente, os funcionários e pessoas que estão sob
suas ordens, se sentem estimulados ou valorizados ao reproduzir discursos e
práticas inferiorizadoras. As violências simbólica e institucional se perpetuam
em muitas instituições da sociedade, como a mídia e a escola, ou o sistema de
segurança pública e os tribunais, gerando constrangimentos, induzindo práticas,
impedindo a plena expressão das potencialidades humanas.
No caso brasileiro podemos dizer que o preconceito
e a discriminação são uma herança de uma sociedade patriarcal e clientelista,
portanto também machista e autoritária, que veio se modernizando muito
lentamente, sem dar grande importância ao combate de uma cultura que vê o
diferente como inferior. Como sabemos bem, o Brasil não só foi o país que teve
o maior período de escravidão no mundo moderno, como também o maior volume de
pessoas escravizadas, ao longo da história. Pelas características da
colonização e do desenvolvimento nacional, a mulher também foi inferiorizada e
colocada em situação de desvantagem que se expressa em sua menor presença na
política e em cargos de maior responsabilidade e de comando e em menores
rendimentos no trabalho.
O preconceito e o racismo são expressões de
elementos culturais incompatíveis com a sociedade moderna, e tem sua origem em
nossa história. Muitos povos e países, como os Estados Unidos e a África do
Sul, conduziram lutas históricas contra as discriminações que ficaram
conhecidas como lutas pelas liberdades civis, que exigiram reconhecimento da
igualdade entre as pessoas. Esta afirmação se sustenta nos mais diversos textos
jurídicos, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando
afirma em seu artigo segundo Artigo II que toda pessoa tem capacidade para
gozar os direitos e as liberdades sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição. E também está no preâmbulo de nossa Constituição quando esta nos
convoca a “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos...”
É por isso que é uma responsabilidade do Estado
Brasileiro e da sociedade combater e mudar práticas como essas ainda tão
presentes. Dois casos recentes ocorridos no Rio de Janeiro, de crianças negras
maltratadas por funcionários de empresas tiveram repercussão nacional. No caso
da concessionária dos automóveis de luxo BMW, uma criança negra de sete anos
que era a filha adotiva de um casal branco que visitava a loja, foi forçada a
se retirar da sala de televisão da loja, alegando que ali não era lugar para
crianças como ela. Poucos dias depois, em uma farmácia, também na zona sul do
Rio, um funcionário se aproximou e colocou as mãos sobre os ombros de um menino
e perguntou à operadora de caixa, por duas vezes, se o garoto estava
incomodando. Em seguida sua avó reagiu, dizendo não acreditar que ele estava
falando assim com menino: “Se fosse branco de olho azul você não estaria
falando isso. Agora, porque ele é negro você está falando isso?”
Este tipo de situação vexatória e discriminatória
se observa muito também na mídia, especialmente na televisão, e em instituições
do Estado. Há poucos dias, veio a público uma ordem de serviço emitida por um
oficial comandante de batalhão da polícia militar da região de Campinas. O
documento orientava para o reforço do policiamento procurando genericamente por
indivíduos de cor parda e negra, com idade entre 18 a 25 anos, devido a
reclamações de moradores... Para além do debate que se travou sobre essa ordem
de serviço ter ou não teor racista e discriminatório, ou de as suspeitas se
basearem em indícios totalmente vagos, o documento serviu para mostrar uma
cultura disseminada e naturalizada de preconceito e discriminação.
Pesquisa de opinião pública intitulada Violência
contra a Juventude Negra no Brasil, encomendada pela Secretaria da Igualdade
Racial ao instituto DataSenado procurou aprofundar as razões para os dados
inaceitáveis da morte de jovens negros por homicídio no Brasil, que são mais
que o dobro em relação às mortes de brancos.
Em uma das perguntas, perguntados se a morte de um jovem branco choca
mais que a morte de um jovem negro, mais da metade dos respondentes responderam
afirmativamente. E, por fim, em outra pesquisa divulgada recentemente, 80%
afirmavam haver sim racismo e discriminação no Brasil. Mas quase todos os
respondentes se diziam não ser o seu caso... Ou seja, temos até dificuldade de
reconhecer sua existência e, nós, o que mostra que a discriminação ainda é uma
marca profunda da nossa cultura, que nos cabe combater e superar.
Visite o blog da pastoral fé e política http://pastoralfp.blogspot.com/ especialmente a seção Cidadania Ativa!!
*Professor
da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São
Paulo.
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 06/02/2013
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