quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A importância da Comissão Nacional da Verdade para o futuro do País

Pedro Aguerre*
No comentário de hoje considero de grande importância trazer informações sobre os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, criada no Brasil pela Lei 12.528/2011, que foi instituída em 16 de março de 2012. Ela tem a finalidade de apurar as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, englobando, portanto todo o período da ditadura civil-militar, que tivemos no Brasil de 1964 a 1985.
A Comissão Nacional da Verdade tem um prazo total de dois anos para apurar violações aos direitos humanos ocorridas ao longo do período. A comissão é composta de sete integrantes, nomeados pela Presidenta Dilma Roussef: Cláudio Fonteles, Gilson Dipp, José Carlos Dias, João Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha. A cerimônia de posse contou com a presença de todos os ex-presidentes do período democrático (a exceção do Senador Itamar Franco, já falecido): Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Fernando Collor de Mello, em uma clara demonstração de tratar-se de um assunto de Estado, e não apenas de um governo. Os trabalhos da Comissão se encerram em 16 de maio de 2014 e, de acordo com resolução publicada no dia 17 de setembro, o foco serão os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar,  cometidos por agentes públicos ou a serviço do Estado.
Há vários motivos para tratar deste assunto e divulgar para a sociedade a grande importância dos resultados dessas apurações para o País. O principal motivo talvez seja o fato de que o Brasil, ao contrário da maioria dos outros países que tiveram ditaduras, confirmou, por meio do Supremo Tribunal Federal, em 2010, a vigência de uma Lei de Anistia feita pelo próprio regime militar, em 1979. Esta legislação anistiou os responsáveis pelos crimes e brutais violações de direitos humanos, tortura, homicídios, ocultamento de corpos, que são, para o direito vigente no país e para o direito internacional, crimes inafiançáveis e imprescritíveis.
Esta situação foi analisada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que decidiu ter o Brasil descumprido mais uma vez a Convenção Americana de Direitos Humanos, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares, como assinalou Fabio Konder Comparato. Ou seja, mortos quando estavam sob a tutela do Estado Brasileiro.
A iniciativa da Comissão da Verdade vem na esteira de outras, como toda a ação de resistência da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, que após anos e anos de luta contra os crimes da Ditatura em 1985 editou historio livro “Brasil, Nunca Mais”, conduzido pelo heroico esforço de Dom Paulo Evaristo Arns.
Assim, ao instalar a comissão Dilma Roussef destacou: "o Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia.
Nesta segunda-feira, 25 de fevereiro a Comissão Nacional da Verdade reuniu representantes de comissões estaduais e de várias instituições para apresentar um balanço dos trabalhos feitos, vindo a assinar termos de cooperação com mais algumas organizações que se somarão à ampla rede de Comissões da Verdade instaladas em Estados, Municípios, Universidades, Sindicatos, entre outros. Os levantamentos já feitos indicam que 50 mil pessoas foram, de alguma forma, afetadas e tiveram direitos violados pela repressão, durante a ditadura militar. O número inclui presos, exilados, torturados, mas também familiares que perderam algum parente nas ações durante o período de 1964 a 1985, além de pessoas que sofreram algum tipo de perseguição.
Segundo Claudio Fontelles, que coordenou a Comissão nos primeiros meses de funcionamento, a missão da comissão é envolver a sociedade e formar uma grande rede permanente de proteção da democracia, com comissões estaduais, municipais e da sociedade civil. Entre as vitórias, ele cita o reconhecimento pela Justiça da causa de morte de Vladimir Herzog como tortura nas dependências do DOI Codi, e não como suicídio, como constava antes, a partir de um laudo feito pelo Instituto Médico Legal. Este reconhecimento poderá ser estendido a outros casos, na medida em que os parentes, como feito pela iniciativa de Clarice Herzog, esposa do jornalista, e de seu filho, Ivo Herzog, permitiram criar um precedente legal para isto.
Outra vitória foi a comprovação de que o Deputado Rubens Paiva, que há décadas figurava como desaparecido, foi morto, em 1971 nas dependências do Exército. A respeito da ação ou omissão de agentes a serviço do Estado, Fontelles declarou ainda que o Brasil, “lamentavelmente, no direito penal, ainda é um país que estimula muito a impunidade, crimes graves não deveriam prescrever nunca”.
O atual coordenador da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, estima que até o momento a comissão examinou “por baixo” cerca de 30 milhões de páginas de documentos e que fez centenas de entrevistas e que deve continuar pesquisando até o final de 2013, quando a comissão deverá ter uma primeira versão do relatório final em mãos.
As investigações seguem, debruçando-se sobre documentos e recolhendo depoimentos, levantando informações de arquivos oficiais e de poderosos órgãos do período ditatorial, como o Serviço Nacional de Informações. Entre as frentes de trabalho, uma das mais importantes é aquela que busca identificar os civis envolvidos, tais como aqueles empresários que contribuíram com recursos financeiros e apoio para ampliação do terror.
Vera Paiva, em texto datado de 23 de fevereiro conclui com muita propriedade: Espero que as novas gerações pensem com sua cabeça, enfrentem a memória histórica, recusem a mentira e teorias autoritárias do “mal necessário”. No mundo que desejo construir para meus netos, militares e policiais deixariam de proteger a cultura da tortura, e a violência não ficaria impune pelas mãos de operadores de direito; os que têm algo a dizer perderiam o medo, usariam o direito ao sigilo garantido pela Comissão da Memória e da Verdade para trazer a paz e fazer o bem.

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*Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 27/02/2013.

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