Pedro Aguerre*
Trazemos mais um comentário produzido
para a Pastoral Fé e Política.
No comentário de hoje, ainda no bojo da
semana da consciência negra, achamos importante ampliar nossas reflexões sobre
a desigualdade racial, mas dando destaque à questão da grave crise da segurança
pública em São Paulo e seu impacto sobre a juventude pobre paulistana.
Inicialmente trazemos nosso elogio à
promulgação do feriado de 20 de novembro, dia em que se celebra o herói
brasileiro Zumbi dos Palmares e o mês da consciência negra. Neste dia
cumprimentamos a todos aqueles que se irmanam e solidarizam com o problema de
nossa forte inequidade racial em nosso País, com a luta contra uma forte
discriminação racial institucional e social que ainda existe. Portanto,
reconhecemos a necessidade de avanços concretos na luta pela dignidade dos
negros em nossa sociedade. Sabemos que tanto a promulgação do feriado como o
tema são motivo de crítica e contrariedade de muitos, o que respeitamos. Porém,
como procuraremos demonstrar, entendemos que ele traz uma contribuição
fundamental nesta etapa da vida nacional, em que se busca ampliar a inclusão
social e a democracia. Ademais, muitas vezes as opiniões se modificam pela
reflexão sobre os dados de realidade.
Senão vejamos: a cidade de São Paulo, uma
cidade de periferias povoadas de negros, geralmente descendentes de migrantes,
tem um dos maiores índices de pobreza do país. Entre seus 11,3 milhões de
pessoas, de acordo com recente artigo de Luis Nassif, existem 500,6 mil
famílias pobres, segundo o Censo de 2010. Com renda de até R$ 140 per capita,
todas elas poderiam estar inscritas no Programa Bolsa Família. Porém, o número
de famílias cadastradas no programa, é de apenas 226,6 mil - o equivalente a
44% do total, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social. São mais de
250 mil famílias, a maioria negras, que a cidade de São Paulo não se esforçou
em inserir nos cadastros para que participem de um importante programa social a
que teriam direito. Este é só mais um exemplo de que é necessário pautar os
direitos dos negros!
Outro exemplo está na carta de Daniel
Tavares, negro de 29 anos, ao blog de Cynara Menezes. Diz ele: Minha profissão,
de gerente de vendas da Microsoft, me leva a conhecer muitas empresas, e a
conhecer várias fórmulas que empresários diversos desenvolvem para ter as
melhores equipes e os melhores resultados possíveis. Mas, apesar de serem
diferentes, essas fórmulas têm algo em comum: a falta de mulheres negras nelas.
Nos meus 29 anos foi raro o momento em que vi uma mulher negra em posição de
liderança e destaque em uma empresa. Ao invés disso, elas são a tropa fiel dos
departamentos de limpeza, serviços gerais, copas, etc. Começam a rarear das
recepções até as supervisões e seus títulos mais comuns são os de
Tia/Dona/Querida/Amor.
Ou seja, os avanços da inclusão social e
educacional do negro, em programas como Prouni, no ingresso em camadas de maior
renda e consumo, não modificam a estrutura social, mantendo o negro numa
posição secundária na vida social, como se vê também no caso da
subrepresentação dos negros na política. Segundo um relatório do INESC, embora
existam causas históricas que explicam as persistentes desigualdades
vivenciadas na sociedade brasileira - como o passado de exclusão e
invisibilidade da população negra - sabemos que
o racismo é o combustível que ainda alimenta a perversa estrutura
racial de nossa sociedade, mantém privilégios e é a chave para entender as
desigualdades sociais que assolam o país.
E segue: no caso da violência tem
crescido o número de homicídios da população negra e diminuído a taxa de
homicídios entre a população branca. Em 2010, morreram proporcionalmente 139%
mais negros do que brancos. Dos quase 50 mil mortos por homicídios, em 2010,
53,3% eram jovens, dos quais 76,6% negros (pretos e pardos). Entre os negros, o
número de vítimas de homicídio aumentou de 27 mil, em 2002, para 33 mil, em
2010, o equivalente a um crescimento de
23,4%.
Grupos militantes vêm denunciando essa
situação como um “genocídio” em curso da juventude negra. Há poucos dias foi
lançado mais um abaixo assinado, intitulado “Manifesto de repúdio à violência
da política de segurança em São Paulo”. Criticando a política de encarceramento
em massa e a ausência de outras estratégias, como as penas alternativas, o
manifesto afirma: Nas periferias há um misto de ausência de um Estado provedor
do bem-estar social e do excesso do Estado punitivo através das forças de
repressão e da violência letal acobertada pelo uso do termo “resistência
seguida de morte”. Ao mesmo tempo em que as práticas de extermínio se
multiplicam e vêm espalhando as mortes violentas de moradores pobres,
preferencialmente jovens e negros, das periferias da cidade.
Fazendo referência direta às centenas de
jovens mortos nas últimas semanas por assassinos de motos e toucas, em todas as
regiões periféricas, a enorme maioria negra e completamente alheia à
participação em atividades criminosas, o manifesto diz: “Os responsáveis pela
segurança pública devem estar à altura da responsabilidade de suas atribuições
e o uso de práticas extra-legais que alimentam essa guerra não podem ser
toleradas e muito menos devem fazer parte dos recursos do Estado”.
A crise, que tem como pano de fundo
complexas questões ligadas ao crescimento do crime organizado em São Paulo, põe
em evidência as políticas de segurança pública no Estado. Analistas afirmam que
há pelo menos quatro problemas a serem enfrentados: um padrão autoritário, falta
de transparência e pouco controle social na gestão da segurança pública, perda
de controle dos liderados, excessivo poder às chamadas polícias de elite e
desarticulação entre a atuação das polícias civil e militar.
Recentemente dois desses suspeitíssimos
matadores chamavam em voz alta moradores que tivessem “passagem” pela polícia,
para em seguida cometer mais uma chacina, matando mais quatro inocentes em uma
viela, na Zona Sul.
Criticando a existência de uma lógica
cada vez mais militarizada da gestão do social, o manifesto exige “uma política
de segurança que desative a lógica da violência e extermínio que hoje prima em
nossa cidade”. Infelizmente ainda não se vêm providências à altura do problema.
E a insegurança da população das periferias alcança um nível que desde os anos
90 não se via...
Ou seja, ainda há muito a fazer, pela
igualdade de direitos e de oportunidades!!
Visite o blog da pastoral fé e política http://pastoralfp.blogspot.com/ especialmente a seção Cidadania Ativa!!
*Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de
Governo de São Paulo.
Programa exibido na Rádio 9 de Julho em 21/11/2012.
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