Pedro Aguerre*
No comentário de hoje temos a satisfação de trazer
algumas reflexões a respeito da questão da desigualdade racial.
Sancionado pelo Presidente Lula em outubro de 2010,
o Estatuto da Igualdade Racial, tem sido um importante instrumento de luta pela
equidade racial e social. Está em curso, inclusive, um estudo dos 65 artigos do
estatuto para identificar os pontos que ainda precisam de regulamentação bem
como uma avaliação identificando o que já vem sendo desenvolvido na área de
promoção da igualdade racial na esfera pública. Para Lúcia Xavier da ONG
Criola, o principal ganho trazido por ele foi a consolidação de políticas
voltadas a esta parcela da população e a consequente responsabilização do
Estado pelo cumprimento das ações. Mais recentemente, após o Supremo Tribunal
Federal ter confirmado a legalidade das cotas nas universidades federais, foi
sancionada a Lei de Cotas, através do Decreto nº 7.824, que definiu destinação de, no mínimo, metade das
vagas em universidades e institutos federais para estudantes que frequentaram
todo o ensino médio em escolas públicas, com recorte de renda e de raça,
reproduzindo os percentuais de negros e indígenas encontrados em cada estado
brasileiro. Embora atrasados algumas décadas em relação a outros países,
consideramos uma ótima notícia a ampliação das políticas afirmativas no Brasil.
Um dos aspectos dessa desigualdade é a
subrepresentação dos negros na política. A ministra da Secretaria de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Barros, enfatizou que a questão
do racismo e do sexismo na sociedade tem causas culturais profundas: “O racismo
estabelece para os diferentes grupos os papéis que eles têm de exercer na
sociedade. No caso da política, infelizmente, esse papel ainda é definido para
o homem branco heterossexual. E defendeu ser fundamental pensar em mecanismos
para quebrar essa dominação. Mas são detectadas distorções também no
sistema político, ao privilegiar candidatos que conseguem mobilizar mais
recursos econômicos. Para enfrentar esta situação, o representante da
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político defendeu, em
recente Seminário, a adoção do financiamento público de campanha e a adoção de
listas preordenadas para permitir maior presença no parlamento dos segmentos
sub-representados, como, entre outros, as mulheres e a população negra.
Dados recentes relativos à região metropolitana de
São Paulo mostravam que, em 2011 o rendimento dos negros correspondia a 61% do
valor recebido pelos brancos. Em 2002, essa proporção era ainda menor, ou seja,
55%. Enquanto os negros ganhavam, em 2011, o valor médio de R$ 6,28 por hora, os
não negros recebiam R$ 10,30. Quanto à diferença entre as taxas de desemprego
de negros e não negros, está se situa atualmente em 2,6 pontos percentuais, mas
em 2002 representava 7,2 pontos percentuais, ou seja, nesse período o
desemprego dos negros era mais que o dobro do desemprego da população branca.
A América Latina, que é a região de maior
desigualdade do mundo gera, de acordo com levantamento feito pela ONU, uma
enorme exclusão da juventude afrodescendente, pois esta sofre uma tripla
exclusão: étnica-racial (por ser afrodescendente), de classe (por ser pobre) e
geracional (por ser jovem). Além disso, as mulheres afrodescendentes sofrem
processos de exclusão e discriminação de gênero.
Estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostra que os negros são
menos de 10% nas universidades federais no Brasil. No conjunto dos cursos de graduação o percentual de negros é
ainda menor, ou seja, somente 8,7% são negros, enquanto os brancos somam 54% e
os pardos são 32%. Os indígenas, que também sofrem desta exclusão, não chegam a
1%. Em 2003, os negros não chegavam sequer a 6% do total de estudantes de
ensino superior. Esta realidade veio se alterando pela saída de grandes
contingentes da extrema pobreza, pela ampliação da renda e do emprego dos mais
pobres e de políticas públicas como o Prouni, que permitiram, por primeira vez,
a ampliação do acesso no ensino superior para a população negra.
O último censo do IBGE aponta inclusive que, entre
os 14 milhões de brasileiros com mais de 15 anos que são analfabetos, apenas
30% são brancos e a maioria, ou seja, 70% são pretos ou pardos. Ib Tapajós,
militante do grupo Juntos, no Pará, cita alguns dados do IPEA que demonstram o
abismo entre negros e brancos em nosso país: das 571 mil crianças entre 7 e 14
anos que estão fora da escola, 62% são crianças negras; a taxa de analfabetismo
entre os brancos é de 8% e de 18% entre os negros.
Segundo o Etnólogo cubano Carlos Moore, citando
dados elaborados por Marcelo Paixão se o Brasil de população negra fosse um
país separado, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano, o Brasil branco ficaria
no 28º lugar, ao lado dos países europeus, enquanto o Brasil de população negra
ficaria no lugar 148º, no lugar do Haiti e Namibia, os países mais pobres do
mundo.
Mas talvez a pior expressão dessa desigualdade seja
a que é refletida pelos dados ligados à violência. A maioria das vítimas de
homicídio, a maioria dos presos provisórios e dos presos condenados, bem como a
maioria dos mortos naquelas situações de morte pela polícia, nos mal chamados
“autos de resistência seguidos de morte”, é de negros, pretos ou pardos, e
pobres, das periferias urbanas.
A atual situação de aguda crise na segurança
pública desvelou o brutal aumento dos homicídios no estado de São Paulo. A
explosão nos números de homicídios de civis nas periferias, muitos com
veementes indícios de tratarem-se de execuções extra-judiciais ou cometidas por
grupos que teriam a presença de policiais fora de serviço, recaem, em sua
maioria, sobre jovens negros, independentemente de se tratarem de pessoas em
conflito com a Lei ou não.
Mais recentemente, ao se comprovar a trágica
situação de conflagração entre a polícia militar e o crime organizado, com a
igualmente deplorável situação de policiais sendo vítimas de homicídios, ficou
evidenciada a necessidade de profunda reflexão do conjunto da sociedade e dos
órgãos governamentais, para superação desta situação.
Pois bem, toda esta lamentável situação que
atemoriza fortemente a população das periferias, especialmente os jovens, tem
sido, desde o ano passado, o foco da Campanha Contra o Genocídio da Juventude
Negra. Neste sentido, divulgamos dois eventos importantes no âmbito da Semana
Nacional da Consciência Negra. No dia 20 de Novembro – Marcha da Consciência Negra em SP “Cotas
Sim, Genocídio Não” às 13h, no vão livre do Masp; no dia 22 de Novembro, Ato
Contra o Genocídio, às 10h, na Praça da Sé – Centro de SP.
*Professor
da PUC São Paulo, Colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo
de São Paulo.
Programa da Pastoral Fé e Política apresentado na Rádio 9 de Julho em 14/11/2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário