Pedro Aguerre*
Hoje meu comentário tem uma componente de
indignação e de emoção, por trazer novamente as questões sociais, do ângulo da
questão racial. Continuar neste assunto significa a convicção da importância de
trazer para nossas e nossos ouvintes informações e reflexões sobre os problemas
enfrentados pelos negros no Brasil. É claro que esta discussão envolve também
indígenas, originalmente os donos do pedaço, da terra em que veio a se
desenvolver esta monumental e sofrida experiência da construção de nosso
Brasil. E nosso país hoje persegue uma utopia que talvez já não parece tão
impossível como outrora: a de podermos nos tornar um país politicamente justo,
economicamente sustentável, socialmente rico, regionalmente equilibrado.
Trago a reflexão a partir de minha
participação no lançamento do Plano Juventude Viva, iniciativa do Governo
Federal, por meio das Secretarias da Juventude e de Promoção de políticas da
igualdade racial!! A questão racial é uma questão importantíssima no Brasil e
na América Latina. Enquanto em muitas regiões a questão indígena é o que mais
pesa, como nos países andinos, onde os indígenas são a maioria que concentra os
indicadores de vulnerabilidade social, no Brasil, o tema mais sério e grave é o
da discriminação para com a população negra. A realidade indígena sem dúvida
traz questões fundamentais de demarcação das terras, de valorização das
culturas, de resgate de tribos esquecidas ao longo do violento processo de
desenvolvimento, questão que tem sido recebida com fina sensibilidade pela
opinião pública. Mas os 500 anos de história evidenciam, no Brasil, uma
situação em que os privilégios e o satisfação dos direitos políticos, civis e
sociais recaem sobretudo sobre os brancos, enquanto os negros tem uma realidade
pautada por afrontas e violações de seus direitos humanos.
Temos tentado mostrar que, se a desigualdade é a
grande chaga e contradição que assola a realidade brasileira, representada pela
enorme concentração de poder e renda nas áreas ricas das grandes cidades, a
enorme maioria dos negros vive em situação de pobreza, precariedade dos
serviços de saúde e educação, em periferias com grande precariedade
habitacional e urbana, e enormemente vulneráveis à violência.
Existem, felizmente, crescentes contingentes de
pessoas pretas e pardas que tem atingido maior acesso aos bens sociais
coletivos, mas muitos deles tendo tido maior acesso a renda e melhores serviços
desde há uma década. Ademais, outras parcelas da população negra já há décadas
conseguiram certa mobilidade social. Pesquisas recentes dão conta da ascensão
de pessoas e famílias para as chamadas camadas C e D, onde a maioria é de
negros que vem melhorando renda, escolaridade e ampliando aspirações e desejos
de legítima ampliação de sua participação na sociedade. Prouni, bolsa família e
outras políticas públicas de combate à pobreza tiveram um papel, bem como
outras ações provenientes de outros níveis governamentais e da sociedade.
Infelizmente, ainda há muitos estados e municípios com estratégias muito
tímidas ou superficiais, por exemplo, na inclusão nas universidades estaduais
em São Paulo.
Mas a alegria otimista não vai muito além disso. Há
uma situação profunda a ser enfrentada, e esse enfrentamento deve ser buscado
através de políticas públicas concretas. Uma dessas questões é a da
invisibilidade do negro na sociedade, desde sua presença rarefeita na mídia, a
sua ausência nas Universidades, nos cargos políticos, e sua pequena presença no
mundo do consumo. Mas que estão presentes entre os funcionários dos shoppings,
das escolas, e dos espaços da política.
A outra questão é a da criminalização e da
violência. Pertencentes aos estratos sociais mais pobres da sociedade, a
população negra é a maior vítima da violência, seja física, seja de gênero,
geracional ou da gravíssima violência simbólica e do racismo, seja o racismo
institucional, seja o preconceito que ainda dificulta a uma cultura do respeito
à diversidade e da igualdade racial.
Também são as maiores vítimas de violência física,
representada pelos índices de homicídios, e de violência institucional, por
parte das polícias, que vai desde as abordagens policiais até as situações de
homicídio, mal chamadas de autos de resistência seguidos de morte.
Ceifando cerca de 50 mil vidas por ano, é a maior
causa de morte dos jovens de 15 a 29 anos, que são mais da metade das vítimas.
De cada quatro mortos jovens, três são negros. Se esse dado é terrível, pior
ainda será verificar que entre 2002 e 2008 os homicídios de brancos tiveram
queda persistente enquanto os de negros
cresceram 20%. Daí que em 2012 foram mortos negros em uma proporção 128% maior
que brancos.
O Plano Juventude Viva está em implementação neste
momento no estado de Alagoas, que vivia uma situação de violência terrível. Mas
irá se disseminar por 132 municípios de todos os estados do País, ao longo do
ano que vem, trazendo esta questão para uma maior prioridade governamental. São
até o momento mais de 30 iniciativas, envolvendo 22 programas de oito
ministérios. Os eixos de atuação são:
- Desconstrução da cultura de violência,
- Inclusão, oportunidades e garantia de direitos,
- Transformação de territórios, com desenvolvimento de espaços de convivência e oferta de serviços públicos, e
- Aperfeiçoamento institucional – enfrentar o racismo nas instituições.
O que desejávamos destacar é a forte participação
de movimentos sociais, do Conselho da Juventude Negra, coletivos do Hip Hop,
visando a construção de uma política com ampla participação dos setores
envolvidos. O Plano Juventude Viva vai contribuir para mudar concepções cristalizadas
de racismo e violência, que se algumas vezes podem ser atos falhos vindos do
inconsciente social, outras vezes são estimulados a partir das instituições.
Está em jogo a igualdade, a inclusão, o
desenvolvimento social e cultural, a valorização e o orgulho de nossas
riquíssimas matrizes raciais e sociais, como sugeria Darcy Ribeiro em O Povo
Brasileiro. Muito há a fazer, muito a construir. Precisamos nos abrir para uma
forma mais democrática de encarar as políticas públicas que lutam contra esta dimensão
decisiva da desigualdade, para as ações afirmativas, tenham o nome de cotas ou
outro nome qualquer. Infelizmente será preciso ainda um longo tempo, como se
diz na linguagem popular, correndo contra o prejuízo. O Ponto positivo é que as
avaliações destas políticas mostram resultados positivos e saudáveis, de
melhoria social do país, aumento de nossa auto estima, e, sobretudo, de ruptura
com uma invisibilização sem nenhum sentido.
Visite o blog da pastoral fé e política http://pastoralfp.blogspot.com/ especialmente a seção Cidadania Ativa!!
*Professor
da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São
Paulo.
Programa apresentado na Rádio 9 de Julho em 28/11/2012.
Grata pela força, pela reflexão, pelo compartilhar e por estarmos juntos nesta construção, Pedro! Abraço grande!
ResponderExcluirFê Papa
www.juventude.gov.br/juventudeviva