Pedro Aguerre*
Finda a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20 e a Cúpula dos Povos, múltiplo evento
da sociedade civil que ocorreu em paralelo à Conferência, é hora de buscarmos
alguns elementos de avaliação deste grande evento mundial organizado pelo
governo brasileiro e pela Organização das Nações Unidas. Muito já foi dito e
veiculado pelos meios de comunicação. Um evento múltiplo também mereceu as mais
diversas análises e conclusões por parte dos analistas.
Uma primeira constatação indica que o conjunto de
eventos e atividades foi bem sucedido do ponto de vista organizativo,
mostrando, por parte do Brasil, boa capacidade de organizar e realizar eventos
de grande porte, o que também foi verdadeiro do ponto de vista da qualidade da
articulação diplomática entre governos. Na qualidade de anfitrião e país
responsável pela elaboração do texto-base, o país mostrou responsabilidade e
civilidade. O ministro Gilberto Carvalho afirmou que a presidente Dilma elogiou
o trabalho dos diplomatas brasileiros: “um documento da ONU [Organização das
Nações Unidas] é de costura muito difícil, basta um país dos 192 da ONU se
recusar a assinar e não haveria documento. Há que se valorizar muito esse
trabalho e essa competência da nossa diplomacia”, disse o ministro.
Da mesma forma, cabe destacar a participação da
sociedade civil na Rio+20 e a pacificidade das manifestações durante as duas
semanas da Conferência. “Foi uma festa democrática, afirmou ainda o Ministro,
“com absoluta liberdade”. “O governo foi para o diálogo, abriu as portas e
ajudou a organizar essa mobilização”.
Ciente da percepção geral de que o documento foi
considerado tímido e incapaz de avançar em vários objetivos reivindicados por
grande parte da opinião pública global afirmou, ainda que o documento assinala
uma “mudança de cultura e dos objetivos de desenvolvimento sustentável”, e que,
justamente por isso, a Rio+20 vai ter que ser julgada, avaliada, pelo conjunto
das mobilizações e dos debates que ela encerrou: seria muito pobre reduzir a
Rio+20 apenas àquilo que é o documento final”, ressaltou.
Do ponto de vista da sociedade civil, olhando na
perspectiva do bem estar social no Planeta, o artigo Rio+20 ou Rio-20?, Iara Pietricovsky
traz uma síntese do trágico quadro
socioambiental global: “Constatamos que existem mais de um bilhão de
pessoas ameaçadas de morrer de fome, que a distância entre ricos e pobres está
aumentado, com 70% dos recursos mundiais desfrutados pelos 20% mais ricos,
enquanto que aqueles no quintil inferior ficam somente com 2%. Comprovamos uma
ausência de vontade política dos países mais ricos em mudarem seu padrão de
consumo, estilo de vida, porque em grande medida é disso que se trata, os mais
ricos são os maiores responsáveis por este padrão que se mostra esgotado e em
crise.
Em síntese, segundo essa análise, a Conferência
mostrou “lacunas e falta de vontade política no momento de colocar em prática
os acordos internacionais, a Agenda 21, os Princípios do Rio, que saíram das
Rio 92”. A nossa crise, conclui o artigo, é de implementação e não de ausência
de um marco decente para que possamos fazer a mudança de modelo de
desenvolvimento. É uma tensão política e econômica, onde os algozes, defensores
de um modelo predatório, insistem em sua sobrevivência e hegemonia.
Pelo menos dois avanços que estavam no horizonte
infelizmente não se materializaram. Além de não se criar um fundo específico
para ações de desenvolvimento sustentável, a proposta dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável deveria estar vinculada aos Princípios de
responsabilidades comuns, porém diferenciadas, ou seja, país poluidor, país pagador,
evitando-se maiores dificuldades para o desenvolvimento dos países com altos
índices de pobreza.
Por esses motivos a declaração final da Cúpula dos
Povos – sintetizada em um documento de quatro páginas e 20 parágrafos - ataca a
mercantilização da vida e faz a defesa dos bens comuns e da justiça social e
ambiental. Além disso critica fortemente as instituições financeiras
multilaterais, coalisões como o G8 e G20, as Nações Unidas e a maioria dos
governos, “por demonstrarem irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do
planeta”.
Festejada como principal achado teórico por muitos
líderes mundiais e empresários na Rio+20 “a dita economia verde, foi
desqualificada pelos participantes da Cúpula, por não se opor nem mostrar
capacidade de superar a atual fase de crise financeira do capitalismo,
questionando o super-estímulo ao consumo e a apropriação privada das novas
tecnologias.”
Semelhante foi a opinião formulada pela CNBB –
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, considerando a Rio +20 um
retrocesso quando comparada aos resultados obtidos na RIO 92. Seu Secretário
Geral, dom Leonardo Steiner, afirmou que a economia verde defendida pelas
autoridades governamentais foge do debate central de desenvolvimento de
uma política ambiental que promova o crescimento sustentável: “A Rio+20 indica
uma resposta a essas questões com a chamada economia verde. Se esta, em alguma
medida, significa a privatização e a mercantilização dos bens naturais, como a
água, os solos, o ar, as energias e a biodiversidade, então ela é eticamente
inaceitável”, diz o documento final do conselho.
Ele estendeu a
critica à discussão da Medida Provisória do Código Florestal, em análise no
Congresso citando, por exemplo, o tratamento dado pelo governo à preservação de
matas ciliares nas margens de rios, riachos e córregos: “Isso não tem
avançado”.
Terminamos com uma citação do Documento final
da Cúpula dos Povos por Justiça Social e ambiental em defesa dos bens
comuns, contra a mercantilização da vida:
“A Cúpula dos Povos
é o momento simbólico de um novo ciclo na trajetória de lutas globais que
produz novas convergências entre movimentos de mulheres, indígenas, negros,
juventudes, agricultores/as familiares e camponeses, trabalhadore/as, povos e
comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito a cidade, e
religiões de todo o mundo. As assembléias, mobilizações e a grande Marcha dos
Povos foram os momentos de expressão máxima destas convergências.”
A conclusão da
Declaração mobiliza os povos a continuarem organizados, e a levarem aos seus
territórios e países a mensagem de luta contra os malefícios do atual modelo
capitalista em crise, e por um modelo de desenvolvimento social e
ambientalmente sustentável para toda a humanidade!
*Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e
Política e da Escola de Governo de São Paulo
Programa apresentado na Rádio 9 de julho em 27/06/2012. Um espaço da Pastoral Fé e Política em vista da informação para a consciência crítica e à cidadania ativa,
Nenhum comentário:
Postar um comentário