O comentário de hoje abordará a questão dos Direitos Humanos no Brasil.
Foi realizada no último dia 25 de maio a Revisão Periódica Universal que é
um instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas para avaliar a situação dos países quanto à defesa dos
direitos humanos.
Uma das principais questões que foi apontada pelo
Alto Comissariado é a questão prisional. O Brasil é o quarto país com maior
população carcerária do planeta, atrás apenas de Estados Unidos, China e
Rússia, contabilizando meio milhão de pessoas presas. Diversas particularidades
do sistema prisional brasileiro chamam muito a atenção, mostrando enormes
fragilidades e contradições. A primeira é o fato de que, segundo o Departamento
Penitenciário Nacional, o sistema penitenciário comporta apenas 300 mil
pessoas, o que significa superlotação e péssimas condições, com aviltamento dos
direitos humanos e situações de indignidade. Por exemplo, presos que contam com
apenas 70 cm2 de área, quando o mínimo admitido é seis mts 2,
quase um décimo do mínimo exigido. Diante disso, o País recebeu a recomendação
de “melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da superlotação”.
Esta situação se expressa em São Paulo, pois, de
acordo com o defensor público Patrick Cacicedo, do Núcleo de Sistema Carcerário
da Defensoria de São Paulo, algumas unidades prisionais estão hoje funcionando
com o triplo de sua capacidade, exigindo, por exemplo, alternância do espaço
para descanso. Escassez de bens e produtos básicos no dia-a-dia do cotidiano
dos presos fazem parte das dificuldades encontradas.
Ainda neste assunto outra reclamação feita pela ONU
é a da falta de assistência jurídica para “acelerar a apuração de abusos de
direitos humanos contra presos” e para oferecer assistência jurídica para que
os detentos não fiquem encarcerados após acabarem de cumprir suas penas podendo
ter mais rápido acesso ao sistema de progressão penitenciária (regime
semiaberto ou liberdade assistida) – o que ajudaria a reduzir a superlotação.
Mas, em São Paulo, a Defensoria, composta de apenas 500 defensores públicos, consegue
alocar tão-somente 50 para o atendimento permanente ao sistema prisional,
quando estima-se que seria necessário um total de dois mil defensores.
Esta
insuficiência de atendimento torna-se ainda mais grave se considerarmos outra
grave mazela do sistema prisional: segundo a mesma Defensoria Pública, o estado
de São Paulo, que tem 174 mil detentos no sistema prisional, conta com 57,7 mil
presos provisórios, ou seja, pessoas encarceradas mas ainda não julgadas. Maior
celeridade no atendimento judiciário possibilitaria retirar das prisões um número
significativo de pessoas que não devem estar lá, o que nas condições atuais,
infelizmente, pode demorar meses ou anos. Daí a recomendação da ONU para que o
atendimento à população em situação de risco social incorpore a atuação de
assistentes sociais, psicólogos e médicos, entre outros profissionais, a fim de
contribuir, na fase processual, para o conhecimento e atendimento das
necessidades mínimas dos presos.
A
pesquisa Tecer Justiça: Repensando a Prisão Provisória, desenvolvida pelo ITTC
e pela Pastoral Carcerária Nacional, recentemente divulgada, traçou o perfil
dos presos provisórios no estado, mostrando que são jovens, com idade entre 18
e 25 anos, pretos e pardos, nascidos em São Paulo, com baixa escolaridade,
atuando profissionalmente no desempenho de tarefas que dispensam maior
qualificação no mercado informal de trabalho. Ou seja, o rápido atendimento
judiciário impediria ainda maiores prejuízos a uma população já extremamente
vulnerável socialmente.
É
evidente, por fim, que esta situação da precariedade nas condições carcerárias
cria problemas terríveis para a sociedade, como por exemplo, o aumento da
presença do crime organizado, dentro ou fora das prisões.
Foram
diversas as questões levantadas pelo Alto Comissariado da ONU, como a violência
no campo e os impactos sociais das grandes obras, Brasil afora. Mas talvez
nenhuma mais próxima e contundente quanto os elevadíssimos índices de violência
e letalidade por parte das policias, nas grandes cidades.
O
recém lançado relatório da Anistia Internacional, intitulado "Estado dos
Direitos Humanos no Mundo", mostra que, entre janeiro e setembro de 2011,
804 mortes foram registradas em conflitos com a polícia só nos Estados do Rio e
São Paulo, enquanto nos Estados Unidos foram 137 pessoas mortas por policiais
no ano e na Alemanha apenas 6, configurando o maior índice de letalidade da
ação policial do Mundo. E uma parcela dos homicídios cometidos por policiais
são completamente ilegais, conforme as inúmeras denúncias que são de
conhecimento público. E para cada uma destas situações extremas pode-se deduzir
da grande presença no dia-a-dia das grandes cidades, de uma ampla série de
violações de direitos, como abordagens indevidas, violência e torturas,
levando, não poucas vezes às chamadas execuções extrajudiciais.
O ouvidor da Polícia Militar, Luiz Gonzaga Dantas,
destacou o caso
recente de um destacamento da Polícia Militar, a ROTA, que observa um aumento
no registro de mortes ano a ano. Em 2007, foram 46; em 2008, 56; em 2009, 61;
em 2010, 75; e em 2011, 82 mortes.
O
Ouvidor insiste em que se torna fundamental que a sociedade tenha dados e
informações precisas para que possa ter clareza da legalidade dessas situações,
para que a eficácia policial não possa ser confundida com uma situação de
violência arbitrária e despropositada, como a da segunda-feira 28 de maio,
quando um homem detido após um tiroteio, no bairro da Penha, zona leste da
capital paulista, foi levado para um acostamento da Rodovia Ayrton Senna, vindo
a ser torturado e posteriormente executado por policiais da Rota. Isto envolve
saber, por exemplo, o resultado dos inquéritos abertos ou de casos arquivados,
bem como as absolvições e condenações, a fim de que a sociedade possa recuperar
a confiança naqueles que tem por missão justamente prover segurança à
sociedade.
Estas questões mostram, por assim
dizer, a ponta do iceberg da realidade do sistema de justiça criminal,
envolvendo a questão prisional e a questão da violência policial no Brasil e em
São Paulo. Há diversos estudos e pesquisas sendo realizados, iluminando uma
questão que, ao longo de muitas décadas ficou muito distante da indispensável
transparência que é exigida de todos os órgãos públicos, abrindo-se ao olhar da
sociedade e permitindo maior controle social.
Como
disse a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos Maria do Rosário
Nunes ao conselho da ONU, em fevereiro deste ano. "O Brasil, assim como
todos os demais países do mundo, ainda tem um longo caminho a percorrer para
que os direitos humanos sejam plenamente efetivados". E nós, “estamos
decididos a trilhá-lo.”Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.Apresentado na Rádio 9 de julho, em 06/06/12, um espaço da Pastoral Fé e Política no Programa Igreja em Notícias.
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