quarta-feira, 6 de junho de 2012

A avaliação do respeito aos direitos humanos no Brasil pela ONU: sistema prisional e violência policial

Pedro Aguerre*
O comentário de hoje abordará a questão dos Direitos Humanos no Brasil. Foi realizada no último dia 25 de maio a Revisão Periódica Universal que é um instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para avaliar a situação dos países quanto à defesa dos direitos humanos.

Uma das principais questões que foi apontada pelo Alto Comissariado é a questão prisional. O Brasil é o quarto país com maior população carcerária do planeta, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia, contabilizando meio milhão de pessoas presas. Diversas particularidades do sistema prisional brasileiro chamam muito a atenção, mostrando enormes fragilidades e contradições. A primeira é o fato de que, segundo o Departamento Penitenciário Nacional, o sistema penitenciário comporta apenas 300 mil pessoas, o que significa superlotação e péssimas condições, com aviltamento dos direitos humanos e situações de indignidade. Por exemplo, presos que contam com apenas 70 cm2 de área, quando o mínimo admitido é seis mts 2, quase um décimo do mínimo exigido. Diante disso, o País recebeu a recomendação de “melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da superlotação”.

Esta situação se expressa em São Paulo, pois, de acordo com o defensor público Patrick Cacicedo, do Núcleo de Sistema Carcerário da Defensoria de São Paulo, algumas unidades prisionais estão hoje funcionando com o triplo de sua capacidade, exigindo, por exemplo, alternância do espaço para descanso. Escassez de bens e produtos básicos no dia-a-dia do cotidiano dos presos fazem parte das dificuldades encontradas.

Ainda neste assunto outra reclamação feita pela ONU é a da falta de assistência jurídica para “acelerar a apuração de abusos de direitos humanos contra presos” e para oferecer assistência jurídica para que os detentos não fiquem encarcerados após acabarem de cumprir suas penas podendo ter mais rápido acesso ao sistema de progressão penitenciária (regime semiaberto ou liberdade assistida) – o que ajudaria a reduzir a superlotação. Mas, em São Paulo, a Defensoria, composta de apenas 500 defensores públicos, consegue alocar tão-somente 50 para o atendimento permanente ao sistema prisional, quando estima-se que seria necessário um total de dois mil defensores.

Esta insuficiência de atendimento torna-se ainda mais grave se considerarmos outra grave mazela do sistema prisional: segundo a mesma Defensoria Pública, o estado de São Paulo, que tem 174 mil detentos no sistema prisional, conta com 57,7 mil presos provisórios, ou seja, pessoas encarceradas mas ainda não julgadas. Maior celeridade no atendimento judiciário possibilitaria retirar das prisões um número significativo de pessoas que não devem estar lá, o que nas condições atuais, infelizmente, pode demorar meses ou anos. Daí a recomendação da ONU para que o atendimento à população em situação de risco social incorpore a atuação de assistentes sociais, psicólogos e médicos, entre outros profissionais, a fim de contribuir, na fase processual, para o conhecimento e atendimento das necessidades mínimas dos presos.

A pesquisa Tecer Justiça: Repensando a Prisão Provisória, desenvolvida pelo ITTC e pela Pastoral Carcerária Nacional, recentemente divulgada, traçou o perfil dos presos provisórios no estado, mostrando que são jovens, com idade entre 18 e 25 anos, pretos e pardos, nascidos em São Paulo, com baixa escolaridade, atuando profissionalmente no desempenho de tarefas que dispensam maior qualificação no mercado informal de trabalho. Ou seja, o rápido atendimento judiciário impediria ainda maiores prejuízos a uma população já extremamente vulnerável socialmente.
É evidente, por fim, que esta situação da precariedade nas condições carcerárias cria problemas terríveis para a sociedade, como por exemplo, o aumento da presença do crime organizado, dentro ou fora das prisões.
Foram diversas as questões levantadas pelo Alto Comissariado da ONU, como a violência no campo e os impactos sociais das grandes obras, Brasil afora. Mas talvez nenhuma mais próxima e contundente quanto os elevadíssimos índices de violência e letalidade por parte das policias, nas grandes cidades.

O recém lançado relatório da Anistia Internacional, intitulado "Estado dos Direitos Humanos no Mundo", mostra que, entre janeiro e setembro de 2011, 804 mortes foram registradas em conflitos com a polícia só nos Estados do Rio e São Paulo, enquanto nos Estados Unidos foram 137 pessoas mortas por policiais no ano e na Alemanha apenas 6, configurando o maior índice de letalidade da ação policial do Mundo. E uma parcela dos homicídios cometidos por policiais são completamente ilegais, conforme as inúmeras denúncias que são de conhecimento público. E para cada uma destas situações extremas pode-se deduzir da grande presença no dia-a-dia das grandes cidades, de uma ampla série de violações de direitos, como abordagens indevidas, violência e torturas, levando, não poucas vezes às chamadas execuções extrajudiciais.

O ouvidor da Polícia Militar, Luiz Gonzaga Dantas, destacou o caso recente de um destacamento da Polícia Militar, a ROTA, que observa um aumento no registro de mortes ano a ano. Em 2007, foram 46; em 2008, 56; em 2009, 61; em 2010, 75; e em 2011, 82 mortes.
O Ouvidor insiste em que se torna fundamental que a sociedade tenha dados e informações precisas para que possa ter clareza da legalidade dessas situações, para que a eficácia policial não possa ser confundida com uma situação de violência arbitrária e despropositada, como a da segunda-feira 28 de maio, quando um homem detido após um tiroteio, no bairro da Penha, zona leste da capital paulista, foi levado para um acostamento da Rodovia Ayrton Senna, vindo a ser torturado e posteriormente executado por policiais da Rota. Isto envolve saber, por exemplo, o resultado dos inquéritos abertos ou de casos arquivados, bem como as absolvições e condenações, a fim de que a sociedade possa recuperar a confiança naqueles que tem por missão justamente prover segurança à sociedade.

Estas questões mostram, por assim dizer, a ponta do iceberg da realidade do sistema de justiça criminal, envolvendo a questão prisional e a questão da violência policial no Brasil e em São Paulo. Há diversos estudos e pesquisas sendo realizados, iluminando uma questão que, ao longo de muitas décadas ficou muito distante da indispensável transparência que é exigida de todos os órgãos públicos, abrindo-se ao olhar da sociedade e permitindo maior controle social.
Como disse a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos Maria do Rosário Nunes ao conselho da ONU, em fevereiro deste ano. "O Brasil, assim como todos os demais países do mundo, ainda tem um longo caminho a percorrer para que os direitos humanos sejam plenamente efetivados". E nós, “estamos decididos a trilhá-lo.”

Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.
Apresentado na Rádio 9 de julho, em 06/06/12, um espaço da Pastoral Fé e Política no Programa Igreja em Notícias.


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