quarta-feira, 20 de junho de 2012

Relato da visita à Cúpula dos Povos: a riqueza da sociedade civil reunida no Rio de Janeiro

Pedro Aguerre*
Dando continuidade ao comentário da semana passada, seguimos com a repercussão do conjunto de atividades organizado em torno da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que vem sendo bastante repercutida pelos meios de comunicação. Eu tive a grande satisfação de ter comparecido ao Rio de Janeiro no último fim de semana, representando a Escola de Governo de São Paulo, para a Cúpula dos Povos, múltiplo evento da sociedade civil que ocorre em paralelo à Conferência.

A Conferência inicia-se hoje, e desde ontem vem sendo noticiada a aprovação do texto-base, tarefa coordenada pelo Brasil, o anfitrião do Evento. Muita polêmica se instaurou, em relação ao conteúdo do texto, repercutindo o fato já sabido que não seria nesta Reunião Global que realmente se teria condições de firmar um compromisso pelo desenvolvimento sustentável, realmente transformador, seja pelo mau momento de crise global, seja pelo fato de que se trata de um assunto em que é muito difícil construir consensos. O País foi criticado por insistir na redução da pobreza ao invés de fortalecer uma nova visão de desenvolvimento responsável do ponto de vista ambiental. Organizações não governamentais criticam a falta de ousadia. Ficou indicado como um avanço a criação de um acordo em torno da construção de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que venham a permitir monitorar as ações futuras em relação aos recursos naturais, aos sistemas produtivos, aos contextos sociais. De qualquer forma, caberá aos chefes de Estado reunidos, concluir as negociações e firmarem os acordos previstos.

Entre os eventos paralelos, uma reunião importante foi a do grupo C-40, que reúne as 59 grandes cidades do mundo, que estabeleceu um compromisso de reduzir em 45% as emissões poluentes previstas para 2030, sugerindo que poderiam obter uma redução de gases de efeito estufa lançado na atmosfera da ordem de 1,3 bilhão de toneladas.

Na mesma linha, a questão urbana esteve presente no Painel da Rio + 20 Cidades Sustentáveis – Oportunidades para Empreendedores Sociais, realizado na tarde do domingo 17 em um auditório construído no Forte de Copacabana e que teve a participação da Rede Nossa São Paulo, Rede Latinoamericana por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis e do Movimento Nossa Zona Leste. Mais de 600 pessoas se aglomeraram para acompanhar os debates nesse Painel.

Pela rede Nossa São Paulo, Oded Grajew, apresentou o Programa Cidades Sustentáveis e abriu a discussão reforçando o papel estratégico das cidades no fortalecimento de um novo modelo de desenvolvimento, ao dizer: “O jogo da sustentabilidade vai se decidir nas cidades. É nas cidades que se consomem as energias, os produtos, os serviços. É onde moram as pessoas. O que vai acontecer nas cidades é o que vai acontecer no planeta. Meu objetivo hoje é fazer com que cada um de nós saia daqui com a missão, com a possibilidade de participar e de agir para isso. Aqui é um encontro de empreendedorismo social, e isso significa cidadania ativa, na prática. Esse é o nosso objetivo”.

Luis França, um dos fundadores do Movimento Nossa Zona Leste também presente lembrou que a sua região tem cerca de 4 milhões de habitantes e reforçou a importância do Programa de Metas de São Paulo e da importância de indicadores claros para a gestão pública ao dizer que o movimento, frustrado pelo pequeno atendimento de metas previstas já levantou mais de 300 novas metas que serão apresentadas aos candidatos nas eleições deste ano. 

Esteve também presente a esse debate o respeitado professor português, Boaventura de Sousa Santos, muito aplaudido ao afirmar que “A cidade é o território fundamental dos bens comuns. Nos níveis nacional e global não temos tido inovação". Ele também afirmou: “Não há cidades sustentáveis sem desenvolvimento sustentável. E não há desenvolvimento sustentável com a obsessão do crescimento infinito e do consumo desenfreado. Estamos em sociedades capitalistas, claro, mas precisamos proteger e promover as economias solidárias. Os catadores de lixo não são lixo, mas vivem em condições sub-humanas, As cidades têm a responsabilidade de criar os tempos da convivência, os tempos do encontro, o tempo do espaço público”. E concluiu: “As pessoas precisam ser envolvidas. Não há cidade sustentável sem envolvimento sustentável”.

Estas reflexões do Professor Boaventura de Souza Santos tornam evidente a crítica à proposta da Rio + 20 quanto a uma economia verde, quando ainda se está tão distante do valor do desenvolvimento sustentável e o mundo ainda se mede em crescimento, sem atenção para as consequências desse modo de vida predatório.

Mas o que mais me marcou foi a imagem da cidade do Rio de Janeiro, que mais parecia o cenário da convivência dos 1000 povos! Dezenas de nações indígenas brasileiras, movimentos sociais e delegações de países, vestidos e adornados segundo seus costumes e culturas. Grandes reuniões para debater as grandes obras e a busca de transparência e maior atenção aos impactos sociais, por exemplo as críticas à construção da usina de Belo Monte. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável, liderado por Marina Silva, marcou posição para evitar novos retrocessos quanto ao código florestal.

A Cúpula dos Povos, ocorre de 15 a 23 de junho e continua mais uns dias denunciando o caráter predatório e anti-justiça social do atual modelo econômico global. Nesta enorme reunião, como dissemos na semana passada, organizações não governamentais, movimentos sociais e coletivos de inúmeros países desenvolvem atividades de discussão do desenvolvimento sustentável com base na Justiça social e ambiental.

Por fim, esteve presente a Coalizão por um Brasil livre de Usinas Nucleares, denunciando as condições das usinas no Brasil, denunciando os riscos da continuidade dessa perigosa escalada de utilização da energia nuclear em nosso país.

E encerro este comentário de hoje, relatando o momento para mim mais emocionante, que foi o relato da comissão de representantes da tragédia ambiental e nuclear ocorrida em Fukushima, há apenas um ano atrás. Por meio de uma delegação de dez pessoas, entre jornalistas, agricultores e familiares de vítimas, fomos mobilizados para a importância de refletir para as drásticas consequências dos acidentes com este tipo de energia que se torna quase impossível reparar, tão complexos, dispendiosos, mesmo para uma sociedade desenvolvida como o Japão. Uma vivência realmente emocionante.

E vale a pena visitar o site da Cúpula dos Povos no link http://cupuladospovos.org.br/ São centenas de eventos ali divulgados, que podem ser conhecidos por todos, permitindo conhecer um pouco mais da atuação da sociedade civil mundo afora na construção de alternativas sustentáveis dentro de um sistema político e social global que ainda não encontrou as utopias do bem viver.

Visite o blog da pastoral fé e política http://pastoralfp.blogspot.com/ especialmente a seção Cidadania Ativa.

*Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo

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