segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A justiça ainda não alcança a todos em São Paulo

Pedro Aguerre*


Nossos comentários procuram sempre ter como foco a discussão de nossa realidade social e econômica e os desafios na construção de uma cidadania mais completa e verdadeira. Nosso olhar se detém muito sobre a metrópole paulista, que reúne mais de 20 milhões de habitantes em seus 39 municípios. Mas procuramos olhar também para as demais regiões do Estado e para o País como um todo.



São Paulo, neste 25 de janeiro de 2012, comemorou seus 458 anos de existência. A história de vida e de lutas das populações que chegaram a esta cidade que foi por muitos anos chamada de locomotiva do progresso nacional, é a de uma metrópole preenchida por sonhos e esperanças que muitas vezes se realizam plenamente, propiciando melhorias e avanços. Mas com inúmeras situações que revelam dificuldades, sofrimentos e frustrações, que ainda estão longe de serem superados. A justiça ainda não alcança a todos em São Paulo.



Vamos falar um pouquinho sobre o povo que aqui chegou, atraído por oportunidades e pela impossibilidade de permanecer em seus locais de origem, ressaltando algumas situações mais delicadas, que merecem nossa atenção.



Uma primeira questão, tão presente na mídia desta semana com os casos da Favela do Moinho e a lamentável reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos, é a questão da moradia. Reintegrações de posse, desapropriações, especulação imobiliária, violência policial, violência do Estado e pouca disposição para negociar e solucionar esses conflitos tem sido a marca mais comum. E chegando ao limite de ter moradores que além de serem expulsos de suas casas, são também vítimas de violência. Ou recebem passagens para voltarem para os estados de origem.



Da população total da região metropolitana, 11% ou 2 milhões e setecentos mil moram, segundo o IBGE, nos chamados aglomerados subnormais, ou seja, as favelas, cortiços, loteamentos irregulares e áreas ocupadas. Mais da metade destas situações de precariedade ocorrem na Capital. Aqui, há um predomínio de áreas espalhadas principalmente pelas zonas leste e sul, com alguns assentamentos maiores, como as comunidades de Paraisópolis e Heliópolis, que juntas contam com mais de 25 mil famílias. Esta realidade porém é também muito encontrada nos demais municípios do entorno, com especial destaque para os grandes municípios, como Guarulhos e o grande ABC.


Embora o abastecimento de água seja adequado para a maioria, o esgotamento sanitário adequado está ausente de 32% dos domicílios em áreas precárias. A instalação de energia elétrica adequada, personalizada, está ausente de 34% das residências. Ou seja, ainda há um enorme desafio de prover condições adequadas de moradia, com urbanização de favelas, regularização de loteamentos, melhorias na situação de cortiços, concessão de títulos de propriedade, garantindo a segurança da posse. No entanto, o que se vê é um predomínio da especulação imobiliária, fazendo com que o poder público atenda interesses particulares, fazendo com que terrenos ocupados por famílias pobres passem a sofrer pressões para sua saída, sem que sejam oferecidas opções semelhantes às que tinham antes.



Um bom exemplo é o da favela que se desenvolveu no Moinho Santa Cruz, que pertence a uma comunidade formada originalmente por catadores de materiais recicláveis, gerando empregos, renda e possibilitando a dezenas de famílias, que hoje somam quase 800, uma oportunidade de vida, ainda que severamente modesta. A saída da região central dificulta enormemente a continuidade do trabalho e a vida destas pessoas!!


E quem são os paulistanos? Uma pesquisa feita pelo IPEA com base no Censo, mostrou que, das pessoas com 30 a 60 anos, quase a metade não nasceu aqui, que é o maior percentual entre metrópoles brasileiras, ou seja, 46%. Das pessoas dessa faixa etária, 11% são baianos, 8% mineiros, 7% pernambucanos e 9% nortistas. Observando as características destas populações, observamos que grande parte das pessoas dessas regiões não teve, nem no lugar de origem, nem aqui, as oportunidades educacionais que os paulistas tiveram. Por exemplo, cerca de 60% dos migrantes baianos, mineiros e pernambucanos com mais de 30 anos não concluiram o ensino fundamental; enquanto esta é a realidade de tão-somente 20% dos paulistas. Inversamente, o nível superior completo foi alcançado por 46% dos estrangeiros e 24% paulistas, enquanto está presente para apenas 5% de pernambucanos, baianos e cearenses. E, embora hoje o desemprego esteja no menor nível da história recente, isso se reflete no tipo de oportunidades de trabalho e remuneração!!



E muitas vezes foram estas as populações que tiveram como única alternativa possível as formas precárias de moradia, favelas e as chamadas cidades-dormitório. São também estas as pessoas que compõem a maioria da população negra de nossa cidade.


O ponto de reflexão nestes dias, quando se festeja em São Paulo o aniversário da cidade, por tudo isto, é o seguinte:
Os filhos e filhas de pais de qualquer origem geográfica ou de qualquer recorte racial, moradores de regiões periféricas ou centrais, precárias ou não, são hoje paulistas, de primeira ou segunda geração. Quase todos concluem o ensino fundamental e tem aspirações de evolução e crescimento. Mas, como vemos, por serem pobres, por serem negros, por não terem o título de propriedade da moradia, tem seus direitos violados. Ou seja, vivemos numa sociedade em que o Estado ainda pratica a divisão, como se tivéssemos cidadãos de primeira e segunda classe. Aproveitemos os festejos, refletindo sobre uma cidade mais justa para todos!!





*Sociólogo, Professor da PUC-SP, colaborador da Pastoral Fé e
Política e da Escola de Governo de São Paulo

Programa construindo cidadania, um espaço utilizado pela Pastoral Fé e Política na Rádio 9 de julho. Ouça o programa no site http://www.pastoralfp.com/

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