sábado, 18 de dezembro de 2010

Que choro é esse?

J. Thomaz Filho

Que choro é esse que merece consolo? Que consolo é esse? Não se trata, portanto, da alegria que nos faz chorar. Não se trata do choro de alegria (Mt 5,4), pois este choro já traz em si uma satisfação, é reflexo dessa satisfação, é o choro da conquista, o choro por ter vencido a competição, por sentir-se reconhecido como melhor do que os outros. É o choro da satisfação que só inclui a mim mesmo e aos meus, tendo deixado tantos para trás! É o choro que traduz o riso dos fartos, dos que dão conta do recado, dos que já não precisam dos outros. Nem de Deus! Nem de consolo!

Não se trata tampouco da lamentação dos invejosos, que se roem por não terem chegado lá; do remorso dos imprevidentes, nunca dispostos a fazerem sua parte; da indignação dos trapaceiros, sempre competentes em dar o troco quando se vêem passados para trás.
Outro é o choro para o qual haverá consolo, o consolo do Reino, o consolo que não é sossego mas desafio e sustento para prosseguir.

É o choro que reclama pela alegria e a torna fecunda. Então é o choro de quem se sente ferido pela vida, mas decidido a tomar sua cama e andar (Mc 2,1-12); desprezado, mas empenhado em conseguir seu lugar ao sol (Lc 5,12-14); esquecido, mas com a teimosia de não entregar os pontos (Mc 5,25-34); desdenhado, mas perseverante na fé (Mc 3,1-6); pisado, mas zeloso por sua liberdade (Jo 9,1-38); incompreendido, mas paciente com os seus (Mc 8,27-38); visado, mas prudente e contundente frente a quem não quer ver (Jo 8,1-11); odiado, mas sereno, firme e intrépido diante da verdade (Lc 22,66-71); abandonado, mas confiante no Deus da Vida (Mc 15,33-39); é o choro de quem descobriu que assim não dá mais, propõe-se a mudar de rumo e dá os passos na nova direção (Lc 7,36-38), apesar do preconceito alimentado por seu passado (Lc 7,39-50); é o choro de quem perdeu, arrependeu-se e faz o caminho de volta (Lc 15,11-24), apesar de todo o descrédito e da inconformidade de seus irmãos (Lc 15,25-32); é o choro de quem se reconhece explorador dos semelhantes e procura retratar-se do mal causado (Lc 19,8-10), apesar da desconfiança e sarcasmo dos que o conheceram (Lc 19,1-7).

O consolo é para quem se arrepende (Mt 26,69-75; Lc 23,39-43), insiste (Mt 15,21-28), confia (Jo 11,17-27), mantém a esperança para si (Mt 9,27-31) e para os outros (Mt 9,32-33), para quem se dispõe à partilha (Jo 6,9), ao serviço (Mc 1,29-31), ao reparo do mal que foi feito (Lc 22,47-51); para quem se dá o direito de contar com uma nova chance (Jo 20,19-29).

Que consolo é esse? É o consolo de nos descobrirmos participantes do Reino, o consolo que faz brotarem os frutos do Reino, os frutos que Jesus madurou! O fruto do nosso compromisso, sem reservas, com a liberdade: correr o risco de provocar nos outros o exercício consciente e pleno dessa mesma liberdade, para assim também se integrarem no Reino. O que só é possível com o fruto de nossa maturidade no perdão – o dom permanente e pleno -, sem prerrequisitos, sem precondições, sem restrições, mesmo que nossos semelhantes se recusem a usar a mesma moeda. O fruto da inclusão de todos, que não é a simples tolerância à diferença, mas o cotidiano convívio dos diferentes. E o fruto da exigente sintonia com a vontade do Pai. Que desafiante a proposta do Reino, espelhada nas atitudes de Jesus!

2 comentários:

  1. Querido Mestre Thomaz,

    Inicio meu comentário pelo desfecho de seu profundo, reflexivo e inquietante texto:

    Que desafiante a proposta do Reino, espelhada nas atitudes de Jesus.

    Nesse tempo de preparar nossos corações para o nascimento do Menino Deus, essa reflexão me faz lembrar das lágrimas deste ano (Haiti, Amazônia, Rio São Francisco, Deslizamentos, Violência contra o menor, Corrupção, Corruptos eleitos e sob aplausos ... enfim tantas lágrimas).

    Mas Jesus não nos deixa nas lágrimas, seu conhecimento do Palavra de Deus nos ilumina a perceber e contemplar o consolo (somos participantes do Reino ao amadurecermos na capacidade de perdoar, ao sermos capazes de procurar incluir os excluídos, além do discurso de conviver com os diferenças).

    Obrigada Mestre Thomaz por nos ajudar a enxergar com mais clareza esse Menino-Deus que vem ao nosso encontro!

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  2. Um dia desses me vi tentando descobrir o porque que esse tempo de Natal me deixa (não só eu) introvertido, um tanto que triste interiormente, extremamente sensível. Uma das causas que descobri atribuo ao sentimento de frustração. Imagine uma criança que anciosa pela promessa do pai de levá-la para passear no parquinho, vai para cama mais cedo afim de que o aquele dia chegue logo. É um misto disso que sinto. Espero pelo dia que ainda não chegou. Desde a muito tempo anceio com um mundo diferente desse que ai esta, mas frustro-me quando acordo e percebo que a realidade aponta para um caminho bem diferente do "parquinho" tão sonhado. Ai choro e encontro consolo em pessoas que como eu que partilham das mesmas inquietudes e perseveram na luta para a construção de um novo mundo, fruto da realidade prometida por aquele ser, irmão nosso, que a mais de 2000 mil anos nasceu e continua nascendo na mangedoura dos corações humildes, sedentos de justíça e paz. Desejo a todos inquietos como eu, especialmente a esse pequeno mas comprometido grupo de fé e politica, bem como, ao mestre Thomaz, sinceros votos de constantes natais diários.

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