quarta-feira, 23 de junho de 2010

A lucidez crítica


Os traços do homem novo e da mulher nova
Decodifica a realidade à luz da fé e por meio das mediações sociais, políticas e econômicas.
Estuda, avalia, é dialética.
Não se deixa enganar pelas aparências, nem pelas promessas, nem pelas esmolas.
Sabe ler a conjuntura local, continental e mundial e penetra na parte oculta das estruturas de dominação e alienação.
Caminha com os pés no chão da realidade, com o ouvido atento ao clamor dos pobres e aos sofismas dos ricos, com os olhos abertos aos processos da história e ao horizonte da utopia.
É lúcida e é luz.

A contemplação sobre a caminhada
Vive aberto ao mistério do Deus que é vida e amor em sua Trindade, que é a melhor comunidade; na história, que também é seu reino; e no universo, que é também sua casa.
"Tropeça com Deus nos pobres", professa-o na prática da justiça e da caridade e o celebra na oração pessoal, familiar e comunitária.
Caminha enamorado da esposa natureza; acompanha todos os caminhantes no diálogo intercultural e com a ternura da gratuidade; ama sua gente, sua terra e seu tempo com um coração ecumenicamente jovem.
Sonha, ri, canta, dança, vive.
Veste-se de símbolos e de ritos antigos e novos, conserva a memória subversiva e exerce a criatividade alternativa.
Cultiva a identidade étnico-cultural, a sensibilidade social e a historicidade política.
Tem como tela de televisão a mirada da consciência, a sabedoria da realidade e a revelação da Bíblia.

A liberdade dos pobres
Despojado de privilégios e de acumulação, e jogando sua sorte com a sorte dos pobres da terra, promove a civilização da pobreza humanizadora contra a civilização da riqueza desumana.
É pobre para ser livre e é livre para libertar.
Partilha da pobreza solidária e combate a pobreza injusta.
Da liberdade faz seu alento e sua canção, e da libertação seu combate e sua vitória.
É parcial como o Deus dos pobres, radical como o Jesus das bem-aventuranças, livre como o Espírito de Pentecostes.

A solidariedade fraterna
Faz da solidariedade o nome novo da paz, a nova práxis do amor e a nova dinâmica da política.
Acolhe, compartilha, serve.
Compadece, coindigna-se, comilita, concelebra.
Não discrimina nem pelo sexo, nem pela raça, nem pela crença, nem pela idade.
Porque sabe que é filho de Deus, procura ser irmão de todos.
Luta por fazer dos vários mundos um só mundo humano.
Promove a organização em todos os níveis, mas sem fanatismo, sem dogmatismo e sem proselitismos.

A cruz e a conflituosidade
Sabe que a existência é milícia, que o reino sofre violência e que na cruz está a vida.
Abraça a cruz salvadora de Cristo, mas destrói todas as cruzes opressoras.
Nunca foge da renúncia pelo reino, nem se esquece do domínio de si, nem se nega à convivência, ao trabalho, à libertação.
Assume as grandes causas sem medo da conflituosidade, apesar da perseguição e até a entrega do martírio.

A insurreição evangélica
Pela boa-nova do evangelho e na incansável construção da utopia, rebela-se contra os mecanismos do lucro e das armas, do consumismo e da dominação cultural, do fatalismo e da conivência.
É opção, militância, profecia.
Luta contra todos os ídolos da sociedade e da religião, em rebelde fidelidade a Deus e à humanidade.
Insurge-se constantemente, pela conversão pessoal, para a renovação comunitária e ecumênica da Igreja e para a revolução democrática da sociedade.

A teimosa esperança pascal
Espera "contra toda esperança", no meio das decepções, na monotonia diária, apesar dos fracassos e contra as evidências do triunfo do mal.
Mantém a coerência das testemunhas fiéis, propaga a "perfeita alegria" dos utópicos e organiza a esperança dos pobres.
Na alegria e na dor, no trabalho e na festa, na vida e na morte, vai se fazendo páscoa na páscoa.
Avança na conquista da Terra Prometida, pelos caminhos da Pátria Grande, para a Pátria Maior.

Dom Pedro Casaldáliga
Extraido da revista "Vida Pastoral - mai/jun/2010


Texto enviado por Renê Roldan, membro da Pastoral Fé e Política.

Um comentário:

  1. A lucidez crítica nos faz buscar traços do homem novo e da mulher nova que contemplam sobre a caminhada, que buscam a liberdade dos pobres através da solidariedade fraterna. Para isso, abraçamos nossa cruz e a conflituosidade e a insurreição evangélica sendo essencial a nossa teimosia de esperança pascal.
    Qualquer semelhança neste texto não é mera coincidência!!!!

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