domingo, 21 de março de 2010

Cuidar da Vida como bons Pastores

Cuidar da Vida como bons Pastores
Espiritualidade, ecologia e economia

Penso que cuidar da vida sob as dimensões da fé e da política passa, inevitavelmente, pelo entendimento de qual é o nosso papel neste mundo como pessoas cristãs, considerando de antemão que somos seres sociais e políticos. Todos querem viver bem. E viver bem, acredito, é viver em paz, com espiritualidade plena, em um ambiente ecologicamente saudável, tendo as necessidades vitais dignamente resolvidas, o que ocorre com a distribuição equânime dos recursos econômicos. Mas como vamos enfrentar essa tarefa de criar, por meio da política, os meios adequados de convivencia justa e solidária na sociedade humana?

Esse é um desafio a ser resolvido coletivamente. O poder político, que é terreno, somente poderá ser atribuiido a seres humanos, pois sabemos da inexistência de deuses governantes. Platão de forma eloquente, ensinou que a política não é o melhor lugar para projetarmos nossos anelos de uma existencia perfeita, justa e feliz. Para isso, seria necessária a volta à idade de ouro, ao governos dos filósofos-reis, o que é manifestamente impossível.

No mito de Cronos temos a notícia de uma sociedade na qual os governantes não eram homens, mas semideuses (daimons), seres de raça superior e mais divina, que graças à sua filantropia faziam reinar entre os homens, a paz, a sólida justiça e a paz perpétua. Mas, o mito conclui, e nisto é verdadeiro ainda hoje, que nos Estados onde reina não um deus, mas um mortal, os cidadãos não podem ser livres dos males e da labuta. Não há como eliminar o "mal da vida humana", imaginando vivermos em uma sociedade farta e sem trabalho, onde tudo já está pronto.

Diferentemente do que muitos acusam, Platão não tentou legitimar o poder politico absoluto, antidemocrático, atribuindo poder divino ao ser humano para salvar a todos. O que nos mostra Platão é que, no governo imperfeito de humanos, às leis é que conduzem à virtude.
Todavia, a nossa experiência histórica revela que as leis estão sujeitas à interpretação. E a interpretação que tem prevalecido é a de quem tem o poder, já que as leis não guardam em si mesmas um sentido determinado. Surge daí a necessidade de participação de todos para que as leis sejam compreendidas e aplicadas de forma justa. A compreensão do justo resulta dos valores culturais e da tradição que orientam a vida na sociedade. Portanto, a contribuição coletiva é que permite, inclusive na fé na política, o reconhecimento dos valores sociais verdadeiros.

Acreditamos que um texto bíblico, o Salmo 23, do Bom Pastor, ajude-nos no reconhecimento desses valores. Nas linhas, mas principalmente nas entrelinhas, esse texto mostra a necessária interdependência das dimensões espiritual, ecológica e econômica, que realizadas de forma integral, são vida humana plena. Mas, o que ser um bom pastor?
Com Platão aprendemos que ser pastor é ser também ovelha. O Salmo ensina que pastor é aquele que cuida, conduzindo por águas tranquilas nos caminhos onde existem riscos e inimigos. Ser pastor é seguir à frente, pois conforme ressaltou Leonardo Boff, diferente do vaqueiro que vai atrás, o pastor segue adiante com o seu cajado, descobrindo entre as pedras, as falhas que põem em risco o rebanho.

E o caminho é de "águas tranquilas" - Espiritualidade. As águas representam a paz, fruto de tudo aquilo que afasta o mal e cultiva a ternuira que deve guiar o nosso ser, como a mística e a paixão pela vida e pelos valores que a defendem. É o que deve ser cultivado em toda atividade humana, inclusive na política. O lider não pode se esquecer de que conduz pessoas e não coisas. As "verdes pastagens" - Ecologia, são lugar de descanso, mas tambem de caminhada. Lugar onde se sente prazer e que desperta no caminhante a vontade da permanência. Essa deve ser a vida dos governados, travessia com partilha, "mesa farta" - Economia, onde transbordam taças, mesmo diante de adversidades. O destino é a morada.

Porém, não basta levar a salvo as ovelhas. a unção com óleo é o reconhecimento que cada um deve ter na sociedade e na biodiversidade. Por tudo isso, acreditamos que o Salmo 23 ensina a cuidar da vida, na fé e na política, com espiritualidade, com veneração ecológica e com práticas econômicas justas:o alcance da dignidade humana.


Delze dos Santos Laureano é professora de Direito Agrário da Escola Superior Dom Helder Camara, em Belo Horizonte-MG, mestre em Direito Constitucional pela UFMG, doutoranda em Direito Internacional Público - Direitos Humanos pela PUC Minas, integrante do Renap - Rede Nacional de Advogados populares.

Texto retirado do Livro Cuidar da Vida- Material do 7o. Encontro Nacional de Fé e Política - Ipatinga - MG - Novembro de 2009

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