sexta-feira, 6 de março de 2009

Utopia

Ensiná-los a romper com as amarras desses malditos “contra-valores” pautados no consumismo desenfreado do “ter” que está destruindo o “ser”. As amarras da cultura de morte... Intolerância pela cultura do diferente. É um absurdo achar que a cultura do outro é pior do que a nossa quando, na verdade, ela é apenas diferente.

Refletir sobre utopia é algo bonito, pois nos remete ao futuro enchendo-nos de esperança. A nossa sociedade, tão carente de valores coletivos, vive uma crise que eu tomei a liberdade de batizar com o nome de “crise da privatização dos sonhos”.A “minha” carreira, o “meu” salário, o “meu” carro, a “minha” casa estão, infelizmente, ganhando cada vez mais espaço ao “nosso” emprego, a “nossa” cidade, ao “nosso” estado e ao “nosso” país. Poucos, infelizmente, são motivados a colocar o “bem comum acima de tudo” na luta cotidiana da vida. A sociedade moderna, que está conseguindo se destruir pela imposição desse fenômeno do individualismo como pilar de sustentação do neoliberalismo, está doente. É preciso, urgentemente, de um remédio. De uma solução. E ela não virá de políticos, líderes globais, empresariais ou personalidades, mas virá do coletivo.

Virá dos verdadeiros valores de uma sociedade plural e voltada para o coletivo que conseguirmos plantar em nossos filhos. Mas, para isso, precisaremos de coragem. Coragem de dizer a eles aos nossos filhos que fazer o que se gosta é infinitamente melhor do que fazer o que se “ganha mais”. Ensiná-los a romper com as amarras desses malditos “contra-valores” pautados no consumismo desenfreado do “ter” que está destruindo o “ser”. As amarras da cultura de morte. Dos padrões impostos em nossa sociedade onde, infelizmente, quem não está neles está “fora de moda”, “desatualizado” ou “ultrapassado”. Talvez por isso que haja tanto ódio no mundo pelo “diferente”. Intolerância pela cultura do diferente. É um absurdo achar que a cultura do outro é pior do que a nossa quando, na verdade, ela é apenas diferente. O grande mestre Paulo Freire, a quem eu dificilmente não me emociono ao ler seus textos e pensamentos, dizia que compreender a cultura do outro, respeitando-a e valorizando-a, é algo indispensável nas relações humanas.

Certo dia, em um projeto voluntário que participo em uma comunidade pobre no Rio de Janeiro, uma senhora disse-me ter vergonha da pouca cultura dela. Disse-me isso depois de uma palestra onde um médico ensinava sobre a importância da higiene na preparação dos alimentos. Naquele momento, lembrando de um ensinamento que aprendi com o Frei Betto, eu chamei o médico para participar da conversa e perguntei a ele como fazer uma galinha ao molho pardo. Ele disse-me que não fazia a menor idéia, pois nunca havia cozinhado na vida. Logo em seguida, eu me dirigi para essa senhora, aluna do nosso projeto na comunidade e uma exímia cozinheira e dona de casa, e perguntei se ela sabia como prepara a tal galinha ao molho pardo. Ela deu uma verdadeira aula de culinária para nós dois. Ficamos com água na boca. Ao final de sua explicação, eu disse a ela: “D. Maria, se eu estivesse em um navio afundando e precisasse escolher alguém para ficar comigo no bote salva-vidas que teria como destino uma ilha deserta onde o único alimento disponível fosse uma galinha viva, certamente essa pessoa não seria o nosso amigo médico que acabou de dar essa palestra, mas a senhora”.

Depois desse episódio, D. Maria percebeu o seu valor.Ela se sentiu valorizada em função, exatamente, da sua cultura.O exemplo acima, assim como muitos outros que poderiam consumir linhas e parágrafos de reflexão, é uma prova cabal sobre a necessidade do choque de valores que a nossa sociedade carece. Precisamos de empresas, funcionários(as) e membros de uma sociedade onde as diferentes culturas precisam ser valorizadas e respeitadas. Sei que é difícil essa mudança, mas podemos e devemos tentar alcançar essa utopia mantendo acesa em nossa alma a chama da esperança.Para terminar, vou deixar aqui uma reflexão que vivenciei durante uma conversa que tive com um amigo meu que é médico. Perguntado por mim sobre como ele enfrenta a possibilidade da perda na morte de seus pacientes, ele disse que não tem medo de enfrentar a questão da morte do homem, mas o que o apavora é quando ele se vê obrigado a enfrentar os pacientes que trazem em si a morte, no fundo de suas almas, da esperança.

Um grande abraço, a Paz de Cristo e vamos colocar sempre o “Bem Comum acima de tudo”.

Robson Leite (www.robsonleite.com.br) Email: (feepolitica@terra.com.br)
Coluna "Fé e Política" da revista eletrônica "O Mensageiro" da Paróquia N. S. de Loreto (www.loreto.org.br)

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