quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A importância da conscientização sobre as desigualdades raciais no Brasil, a semana da consciência negra e a explosão da violência nas periferias


Pedro Aguerre*
No comentário de hoje temos a satisfação de trazer algumas reflexões a respeito da questão da desigualdade racial.
Sancionado pelo Presidente Lula em outubro de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial, tem sido um importante instrumento de luta pela equidade racial e social. Está em curso, inclusive, um estudo dos 65 artigos do estatuto para identificar os pontos que ainda precisam de regulamentação bem como uma avaliação identificando o que já vem sendo desenvolvido na área de promoção da igualdade racial na esfera pública. Para Lúcia Xavier da ONG Criola, o principal ganho trazido por ele foi a consolidação de políticas voltadas a esta parcela da população e a consequente responsabilização do Estado pelo cumprimento das ações. Mais recentemente, após o Supremo Tribunal Federal ter confirmado a legalidade das cotas nas universidades federais, foi sancionada a Lei de Cotas, através do Decreto nº 7.824, que definiu destinação de, no mínimo, metade das vagas em universidades e institutos federais para estudantes que frequentaram todo o ensino médio em escolas públicas, com recorte de renda e de raça, reproduzindo os percentuais de negros e indígenas encontrados em cada estado brasileiro. Embora atrasados algumas décadas em relação a outros países, consideramos uma ótima notícia a ampliação das políticas afirmativas no Brasil.
Um dos aspectos dessa desigualdade é a subrepresentação dos negros na política. A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Barros, enfatizou que a questão do racismo e do sexismo na sociedade tem causas culturais profundas: “O racismo estabelece para os diferentes grupos os papéis que eles têm de exercer na sociedade. No caso da política, infelizmente, esse papel ainda é definido para o homem branco heterossexual. E defendeu ser fundamental pensar em mecanismos para quebrar essa dominação. Mas são detectadas distorções também no sistema político, ao privilegiar candidatos que conseguem mobilizar mais recursos econômicos. Para enfrentar esta situação, o representante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político defendeu, em recente Seminário, a adoção do financiamento público de campanha e a adoção de listas preordenadas para permitir maior presença no parlamento dos segmentos sub-representados, como, entre outros, as mulheres e a população negra.
Dados recentes relativos à região metropolitana de São Paulo mostravam que, em 2011 o rendimento dos negros correspondia a 61% do valor recebido pelos brancos. Em 2002, essa proporção era ainda menor, ou seja, 55%. Enquanto os negros ganhavam, em 2011, o valor médio de R$ 6,28 por hora, os não negros recebiam R$ 10,30. Quanto à diferença entre as taxas de desemprego de negros e não negros, está se situa atualmente em 2,6 pontos percentuais, mas em 2002 representava 7,2 pontos percentuais, ou seja, nesse período o desemprego dos negros era mais que o dobro do desemprego da população branca.
A América Latina, que é a região de maior desigualdade do mundo gera, de acordo com levantamento feito pela ONU, uma enorme exclusão da juventude afrodescendente, pois esta sofre uma tripla exclusão: étnica-racial (por ser afrodescendente), de classe (por ser pobre) e geracional (por ser jovem). Além disso, as mulheres afrodescendentes sofrem processos de exclusão e discriminação de gênero.
Estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostra que os negros são menos de 10% nas universidades federais no Brasil. No conjunto dos cursos de graduação o percentual de negros é ainda menor, ou seja, somente 8,7% são negros, enquanto os brancos somam 54% e os pardos são 32%. Os indígenas, que também sofrem desta exclusão, não chegam a 1%. Em 2003, os negros não chegavam sequer a 6% do total de estudantes de ensino superior. Esta realidade veio se alterando pela saída de grandes contingentes da extrema pobreza, pela ampliação da renda e do emprego dos mais pobres e de políticas públicas como o Prouni, que permitiram, por primeira vez, a ampliação do acesso no ensino superior para a população negra.
O último censo do IBGE aponta inclusive que, entre os 14 milhões de brasileiros com mais de 15 anos que são analfabetos, apenas 30% são brancos e a maioria, ou seja, 70% são pretos ou pardos. Ib Tapajós, militante do grupo Juntos, no Pará, cita alguns dados do IPEA que demonstram o abismo entre negros e brancos em nosso país: das 571 mil crianças entre 7 e 14 anos que estão fora da escola, 62% são crianças negras; a taxa de analfabetismo entre os brancos é de 8% e de 18% entre os negros.
Segundo o Etnólogo cubano Carlos Moore, citando dados elaborados por Marcelo Paixão se o Brasil de população negra fosse um país separado, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano, o Brasil branco ficaria no 28º lugar, ao lado dos países europeus, enquanto o Brasil de população negra ficaria no lugar 148º, no lugar do Haiti e Namibia, os países mais pobres do mundo.
Mas talvez a pior expressão dessa desigualdade seja a que é refletida pelos dados ligados à violência. A maioria das vítimas de homicídio, a maioria dos presos provisórios e dos presos condenados, bem como a maioria dos mortos naquelas situações de morte pela polícia, nos mal chamados “autos de resistência seguidos de morte”, é de negros, pretos ou pardos, e pobres, das periferias urbanas.
A atual situação de aguda crise na segurança pública desvelou o brutal aumento dos homicídios no estado de São Paulo. A explosão nos números de homicídios de civis nas periferias, muitos com veementes indícios de tratarem-se de execuções extra-judiciais ou cometidas por grupos que teriam a presença de policiais fora de serviço, recaem, em sua maioria, sobre jovens negros, independentemente de se tratarem de pessoas em conflito com a Lei ou não.
Mais recentemente, ao se comprovar a trágica situação de conflagração entre a polícia militar e o crime organizado, com a igualmente deplorável situação de policiais sendo vítimas de homicídios, ficou evidenciada a necessidade de profunda reflexão do conjunto da sociedade e dos órgãos governamentais, para superação desta situação.
Pois bem, toda esta lamentável situação que atemoriza fortemente a população das periferias, especialmente os jovens, tem sido, desde o ano passado, o foco da Campanha Contra o Genocídio da Juventude Negra. Neste sentido, divulgamos dois eventos importantes no âmbito da Semana Nacional da Consciência Negra. No dia 20 de Novembro – Marcha da Consciência Negra em SP “Cotas Sim, Genocídio Não” às 13h, no vão livre do Masp; no dia 22 de Novembro, Ato Contra o Genocídio, às 10h, na Praça da Sé – Centro de SP.
*Professor da PUC São Paulo, Colaborador da Pastoral Fé e Política e da Escola de Governo de São Paulo.
Programa da Pastoral Fé e Política apresentado na Rádio 9 de Julho em 14/11/2012. 

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